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Como Fernandinho Beira-Mar continua a comandar seus negócios de dentro de uma prisão de segurança máxima
16/11/2018 - Carolina Heringer - Época


Por meio de bilhetinhos embrulhados como balas, o maior traficante brasileiro dá ordem aos comparsas, incluindo familiares, que tocam de pontos de venda de drogas a depósito de gás


Cela 19B, no presídio federal de Porto Velho, em Rondônia, erguido para ser um dos mais seguros do país. De seu cubículo de 7 metros quadrados, onde deveria estar absolutamente isolado, o traficante carioca Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira-Mar, mantinha uma intensa comunicação com parentes e comparsas que estavam “do lado de fora”.


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O sofisticado protocolo de segurança da penitenciária, criado para ser inviolável, foi burlado pelo criminoso com um simples, mas bem estruturado, esquema de envio e recebimento de bilhetes na cadeia.

Não havia um detalhe sequer da organização criminosa que não passasse por seu crivo: da qualidade da droga e do tipo de munição adquirida à liberação de verbas para a quadrilha.

Beira-Mar controlava tudo como se estivesse em liberdade. Com pulso firme, exigia frequentes relatórios e prestações de contas dos membros da organização.

“Vocês não estão dando satisfação de nada e, por tudo isso, estão ocorrendo muitos mal-entendidos”, reclamou em um dos bilhetes.

Ao longo da campanha eleitoral, as ordens emanadas por criminosos de dentro de presídios foram colocadas em pauta por alguns dos presidenciáveis. Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo, insistiu em dizer que facções criminosas não comandavam quadrilhas de dentro de cadeias paulistas.

Por outro lado, Ciro Gomes fez questão de repetir diversas vezes que, caso fosse eleito, chefes de facções criminosas seriam transferidos para presídios federais.

Um deles é justamente o de Porto Velho, que não foi capaz de isolar Beira-Mar como proposto.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse nesta semana que é “melhor colocar mais gente na cadeia, mesmo que não alocada adequadamente” e promete acabar com a progressão de pena e as saídas temporárias no sistema prisional — sem elencar o que pode ser feito para impedir que presidiários continuem a gerir o crime de suas celas.

A comunicação de Beira-Mar com seus comandados a partir de uma penitenciária de segurança máxima foi comprovada por uma investigação da Polícia Federal.

Duas vezes por semana, o criminoso conseguia receber e enviar mensagens. Os assuntos tratados pela quadrilha eram os mais variados, e as cartas não necessariamente eram pequenas. Muitas chegavam até mesmo a ter fotografias anexadas.

Uma delas, enviada ao traficante no primeiro semestre de 2017 por uma de suas filhas, Thuany Moraes da Costa, continha a imagem de uma grande aparelhagem de som.

A jovem queria o aval do pai para comprar o acessório por R$ 70 mil. O objetivo era colocá-lo em um dos estabelecimentos comerciais da quadrilha.

“Não será a melhor equipe do mundo, mas atenderá bem nossas necessidades no momento. O que farei agora? Compro a que já está pronta por esse valor ou monto uma com o rapaz?”, questionou.

Beira-Mar fazia constantes cobranças de relatórios e de todas as atividades desempenhadas por sua organização criminosa. Em uma das correspondências, o traficante pede satisfação sobre o andamento da construção de um depósito de distribuição de gás que estava sendo montado pela quadrilha em Duque de Caxias, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro onde comanda o tráfico de drogas em sete favelas.

O esquema de Beira-Mar passava por uma grande teia de colaboradores.

Em sua cela, o criminoso escrevia à mão as mensagens que enviaria. Os papéis eram dobrados por ele e amarrados em uma linha com um pequeno pedaço de velcro preso na ponta. O objetivo era dar peso ao fio. O criminoso conseguia passar os bilhetes para o preso da cela ao lado.

Em visita íntima, esse detento repassava as cartas para sua companheira, já que Beira-Mar estava com o benefício suspenso e não tinha esse tipo de contato com sua mulher.

As mulheres dobravam os papéis inúmeras vezes e embalavam em plástico filme. Em seguida os introduziam na vagina e assim conseguiam sair com eles da unidade prisional. Para que os bilhetes entrassem na cadeia, usavam estratégia semelhante.

Fora da penitenciária também havia uma estrutura para organizar a comunicação do criminoso com seus comparsas.

Quando as mulheres dos detentos saíam do presídio, o conteúdo das cartas era digitado em e-mails criados pelo grupo, e a senha era distribuída para que todos pudessem acessar a conta e ler o recado. Ou seja, os e-mails não eram enviados, mas apenas mantidos em pastas, o que, em tese, impedia que fossem rastreados.

Da mesma forma, quando algum integrante do grupo desejava conversar com Beira-Mar, suas cartas — escritas à mão ou no WhatsApp — eram digitadas e impressas para ser entregues dentro da cadeia, por meio das mulheres dos detentos.

O objetivo do grupo era não deixar rastros. No entanto, durante uma operação denominada Epístolas, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em maio do ano passado, no curso das investigações, foram encontrados bilhetes manuscritos no bolso de uma integrante da quadrilha. Eram recados de outros membros para Beira-Mar.

A polícia conseguiu recuperar ainda dezenas de cartas nas contas de e-mail usadas pelo grupo, descobertas com a apreensão de computadores da organização.

Algumas cartas, consideradas confidenciais por Beira-Mar, tinham de ser entregues a seus destinatários pessoalmente, por isso eram levados os textos originais.

A polícia identificou pelo menos duas viagens de integrantes da quadrilha, de Porto Velho até o Rio, para entregar correspondências consideradas secretas.

Uma delas aconteceu em 26 de março de 2017, quando uma comparsa do criminoso foi ao Rio entregar uma carta a Thuany.

Em um dos bilhetes recuperados pela PF, escrito em 1º de março do ano passado, Beira-Mar diz que as cartas deveriam ser embaladas para as mulheres dos presos na forma de “balas Halls”, envoltas com plástico três vezes.

O traficante escreveu que cada interno conseguiria transportar “até 30 balas Halls” por visita, permitindo uma intensa comunicação com sua quadrilha.

De acordo com a investigação, a comunicação estendeu-se, pelo menos, de junho de 2015 a maio de 2017. Laudos periciais produzidos pela PF já atestaram que as correspondências encontradas foram escritas por Beira-Mar.

A investigação conduzida pela Polícia Federal de Rondônia é a mais recente, nessa extensão, sobre a quadrilha de Beira-Mar, preso desde 2001.

O inquérito foi aberto em junho de 2015, após um descuido do criminoso: ele esqueceu um bilhete manuscrito dentro de uma marmita vazia que foi recolhida por agentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) após o jantar.

Beira-Mar já teve uma nova condenação, em 24 de agosto deste ano, em um dos processos resultantes da Operação Epístolas: 17 anos e seis meses pelo crime de tráfico internacional de drogas. Com a nova pena, as condenações de Beira-Mar somam quase 340 anos de prisão.

Luiz Fernando da Costa, de 51 anos, é natural de Duque de Caxias. Tornou-se o principal fornecedor de armas e entorpecentes da facção criminosa Comando Vermelho (CV), dominando rotas para trazer os produtos contrabandeados para o Brasil. É fornecedor para várias favelas, além das que domina.

Beira-Mar é uma das principais lideranças da facção, mas não tem participação em seu comando, de acordo com a polícia. Concentra-se nos negócios de seu próprio grupo criminoso, como aponta a investigação que resultou na Epístolas.

A ordem, na quadrilha de Beira-Mar, era se comunicar por códigos. Os integrantes do grupo se referiam a ele como “avô”.

Ao usar sua alcunha nas correspondências, Beira-Mar falava em terceira pessoa.

“Façam uma reunião com eles com urgência. Leiam (as cartas) para eles, e, na mesma hora, Kakay, digite tudo o que eles tiverem a dizer para chegar à mão de meu avô na próxima semana sem falta. O Doutor Imperial tem que participar dessa reunião”, afirmou o traficante em uma carta, referindo-se a si mesmo.

Não era só Beira-Mar a ter um codinome. Todos os integrantes da quadrilha ganhavam apelidos: Doutor Nélio, Medina, Marques, Reno, Kakay, Eurico e Doutor Tamandaré eram alguns deles.

As cartas que eram dirigidas ao líder do grupo continham, logo no início, a alcunha do remetente para que fosse identificado de imediato de quem era o bilhete.

Aos negócios da organização criminosa também se davam apelidos: “faculdade” era o bar administrado pela família Beira-Mar; “hortifrúti”, o depósito de gás.

De acordo com as investigações da Polícia Federal, os parentes de Beira-Mar eram fundamentais no funcionamento de sua organização. Sua irmã, a advogada Alessandra da Costa, é acusada de ser a responsável pelo controle administrativo e financeiro das atividades do irmão, atuando principalmente na lavagem de dinheiro.

Sob a alcunha de Doutor Nélio, ela fazia viagens a diferentes locais do país para tratar de assuntos da organização e levar recados do irmão.

A investigação identificou voos de Alessandra para diversos pontos do território nacional onde Beira-Mar tem ou já teve negócios. As visitas dela ao traficante, na penitenciária de Porto Velho, eram frequentes.

Para a Polícia Federal, Alessandra não possuía uma atuação constante na advocacia que justificasse o padrão de vida que ostentava.

Em agosto de 2015, seus gastos mensais ficaram acima de R$ 56 mil. Segundo a investigação, ela utilizava seu escritório para movimentar dinheiro do grupo do irmão.

Em 2014, foi a advogada quem pagou o tratamento de reabilitação química de um dos filhos de Beira-Mar, Felipe Alexandre da Costa, de 32 anos. Ela desembolsou R$ 113.433,68 pelo serviço.

Uma casa na Rua Venezuela, no bairro Nova Porto Velho, era a base da família e de comparsas de Beira-Mar na cidade. Uma testemunha relatou à PF uma grande rotatividade de pessoas vindas do Rio na chamada “casa de apoio” da quadrilha.

Lá era feita a digitação dos bilhetes enviados pelo criminoso e daqueles que estavam sendo enviados a ele. O local contava com diversos computadores e três impressoras para o trabalho e era a hospedagem dos membros da quadrilha, inclusive parentes de outros presos.

Todas as despesas eram bancadas por Beira-Mar. Alguns parentes chegaram a morar na residência. A administração ficava a cargo de Luan Medeiros da Costa, hoje com 30 anos, um dos filhos de Beira-Mar.

Segundo a investigação, o rapaz também organizava a atuação da quadrilha de tráfico de drogas do pai e prestava auxílio na lavagem de dinheiro.

Luan foi preso, em setembro de 2016, e Felipe Alexandre assumiu a função.

A vida dos familiares de Beira-Mar girava em torno dos negócios escusos. Segundo as investigações da PF, todos dependiam dos lucros do crime e, por isso, estavam sujeitos às rígidas ordens do preso.

Em uma conversa com a mulher, Luan relatou, chateado, que o pai cobrava que exercesse suas funções: “Só vou te dar o dinheiro para você comprar seus móveis depois que você me trouxer um relatório completo de tudo o que vou relacionar. Quero esse relatório por escrito dia 03-06, para você não vir com desculpa”, escreveu o traficante.

Já Alessandra, em conversa com o marido, afirmou que não poderia “depender do irmão a vida toda”.

O próprio Beira-Mar, em bilhete endereçado para o filho Luan, diz que ele e os irmãos precisam saber que o pai não é milionário e reclamou da “fortuna” de sua despesa mensal.

Beira-Mar inovou no comando da quadrilha, “importando” para o grupo uma estrutura comum dentro do Comando Vermelho (CV).

Para agilizar a comunicação com seus comparsas, criou um “conselho”, formado por sete familiares e comparsas que exerciam função de liderança sobre os demais.

Luan e Alessandra faziam parte do grupo. Os conselheiros foram nomeados pelo traficante em carta enviada ao filho:

“Toda carta que chegar quero que vocês sete a leiam juntos. Lógico as que forem confidenciais não”, determinou.

Abaixo dos conselheiros, Beira-Mar tinha núcleos que atuavam no tráfico de drogas, na lavagem de dinheiro e na logística da organização.

Os integrantes eram divididos por grupo, e as cartas do criminoso, direcionadas para cada um deles, tornavam a comunicação mais ágil.

Fernandinho Beira-Mar tinha medo de que algum dos integrantes de sua quadrilha denunciasse o meticuloso esquema por ele criado.

Em bilhete enviado a um de seus sócios, o traficante afirma que, por causa da delação premiada, só quem fosse realmente necessário deveria saber dos negócios entre eles.

Sua preocupação fazia sentido. Com a deflagração da Operação Epístolas, três de seus comparsas — nenhum deles integrante de sua família — confessaram que faziam parte da organização criminosa e se tornaram colaboradores na Justiça.

Um deles era o taxista Francisco Paulino da Silva Araújo, que detalhou como prestava serviços ao traficante.

Araújo, além de transportar familiares de Beira-Mar e outros presos para a unidade federal em Porto Velho, fazia a venda de passagens aéreas para pessoas ligadas a Beira-Mar.

O gasto com a compra dos bilhetes girava em torno de R$ 20 mil por mês. O criminoso custeava passagens para seus parentes e também para os de outros detentos.

O taxista confessou que emprestou sua conta para que um dos filhos de Beira-Mar fizesse depósitos em dinheiro. Também confirmou o funcionamento do esquema de comunicação e assumiu que ele próprio se comunicava por bilhetes com Beira-Mar.

Na casa do taxista, a polícia encontrou o esboço de uma carta que seria enviada para o chefe da quadrilha, na qual cita diversos negócios, dando sugestões de investimentos e discordando de algumas ideias.

A quadrilha de Beira-Mar contava ainda com o auxílio de advogados que, segundo o Ministério Público Federal, “extrapolavam o exercício profissional e aproveitavam-se das visitas em parlatório para receber e transmitir mensagens.

Alexandre Raggio Gritta Hagge, do Rio, e Elizeu dos Santos Paulino, de Rondônia, eram os mais atuantes, segundo as investigações.

Em depoimento à polícia, investigados confirmaram que havia ordem de se apresentar no escritório de Paulino, que tinha o apelido de Doutor Tamandaré, antes e depois das visitas no presídio de Porto Velho.

Nas palavras de Beira-Mar, todos tinham de “pedir a bênção do advogado”.

A intenção era alinhar a atuação do grupo. Paulino tinha ainda uma forte atuação na lavagem de dinheiro, recebendo depósitos de familiares do criminoso em sua conta e realizando pagamentos.

Uma planilha de prestação de contas do grupo foi encontrada no escritório do acusado, durante a operação da Polícia Federal no ano passado. Paulino era um dos integrantes do “conselho” de Beira-Mar.

Já a atuação de Hagge era mais contundente em relação ao tráfico de drogas, de acordo com a PF.

Em bilhete enviado de dentro da cadeia, no qual tratava sobre as fórmulas de drogas a ser produzidas pela quadrilha, Beira-Mar determinou que o advogado, que tinha a alcunha de Doutor Ítalo, se encontrasse com um traficante da Região Sul do país.

Após a viagem, ele exigiu um relatório de tudo que foi tratado. Hagge fechava acordos de remessas de drogas da quadrilha. Também era o responsável por cobrar dívidas de Beira-Mar com outros traficantes.

Em uma ocasião, ele negociou o pagamento de uma dívida de R$ 450 mil de um comparsa. O advogado ainda fazia a ponte de comunicação entre Beira-Mar e a mulher, Jacqueline de Moraes, enquanto ela estava presa.

Hagge era importante em uma das principais empreitadas de Beira-Mar no mundo do narcotráfico: a expansão para a Europa e a África.

Em um bilhete apreendido, o traficante pede a Marcos Marinho dos Santos, o Chapolin, seu aliado no tráfico de drogas, que não “sobrecarregue” Hagge, pois precisariam muito dele.

“Assim que o hidroavião estiver pronto, vou pedir a ele pra ir no Pará e no Amazonas para visitar uns amigos nossos para jogar uns cafés (maconha) nesses locais.

Se tiver que ir na África ou na Europa, vamos colocar ele pra ir com o Reno”, escreveu na correspondência.

O criminoso ainda montava uma base operacional na Bolívia, na fronteira com Rondônia, e tinha negócios na Colômbia e no Paraguai.

Um grupo no WhatsApp, que recebeu o nome de “Grande Família”, foi criado para tratar das questões relativas ao tráfico de drogas.

Nele, relatórios semanais eram enviados por membros da quadrilha que estavam no exterior e no Brasil e rapidamente chegavam a Beira-Mar no presídio federal de Porto Velho em forma de bilhete.

Um dos principais comparsas de Beira-Mar no narcotráfico, Chapolin ganhou o apelido de Doutor Roberto na quadrilha.

No fim de 2015, ao ter sido solto — ele estava preso na unidade federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte –, voltou a Duque de Caxias para ficar à frente do tráfico de drogas nas favelas do município da Baixada Fluminense.

Em bilhete enviado a um comparsa, Beira-Mar afirmou que estava com dívidas, mas tinha certeza de que as coisas melhorariam, pois “Doutor Roberto chegou na pista”.

Em correspondência para o próprio Chapolin, Beira-Mar elogiou o comparsa por ter assumido o “bastão” e estimava lucrar R$ 1 milhão por mês com as bocas de fumo por ele administradas.

Foi ainda o escolhido para tocar negócios na Bolívia.

Além de Chapolin, três filhos de Beira-Mar — Luan, Felipe e Ryan Guilherme Lira da Costa — tinham fundamental participação nos negócios de venda de drogas do pai e recebiam ordens frequentes relacionadas ao negócio.

O tráfico de drogas era apenas uma das dezenas de atividades desenvolvidas pela quadrilha. As investigações revelaram uma intensa articulação para a expansão dos negócios.

Além dos lucros das atividades fins, o objetivo era usar empresas para a lavagem de dinheiro.

Em meados de 2017, a prioridade de Beira-Mar era conseguir abrir uma distribuidora de gás em uma das favelas que comandava em Duque de Caxias. Ele pretendia dominar o negócio na região e retirar de cena os concorrentes. Seus comparsas e familiares eram cobrados, com frequência, sobre o andamento das obras.

“Amigos, meu avô não está entendendo nada, pois ele deixou bem claro com vocês e com o Dr. Imperial que esse negócio é a prioridade nº 1 dele, pois o retorno financeiro é imediato. Já era para vocês terem assumido o lugar do Marcio”, reclama Beira-Mar em uma das correspondência.

“Se for o caso, contratem mais profissionais, façam dois turnos. Enfim, deem o jeito de vocês para que essa obra termine antes do final do ano”, pressionou.

Os bilhetes citavam despesas de mais de R$ 300 mil com as obras do depósito.

Beira-Mar queria, ainda, dominar a venda de galões de água, de cigarros, TV a cabo e internet, além de cestas básicas, controle típico de grupos milicianos que atuam no Rio.

Tinha a intenção de inovar em Duque de Caxias: queria levar para o município um modelo, criado no Chile, de máquinas de autosserviço com venda automática de itens da cesta básica.

Para isso, pretendia erguer um prédio de três andares no município. As investigações apontaram o plano de investir R$ 1,5 milhão na construção de clínicas populares na cidade.

Beira-Mar também articulava para se tornar sócio da agência de viagens da qual comprava passagens aéreas para seus familiares, injetando R$ 30 mil. E trabalhava na regularização de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que poderia gerir serviços públicos como clínicas da saúde.

Um dos negócios da família Beira-Mar, o bar localizado no bairro Jardim 25 de Agosto, em Duque de Caxias, comprado por R$ 1,8 milhão, tornou-se motivo de dor de cabeça.

Sua mulher, Jacqueline, era responsável pela administração do empreendimento, e os lucros chegaram a R$ 70 mil por mês. Com a prisão dela, em 2015, os rendimentos despencaram, e Beira-Mar começou a desconfiar que estava sendo roubado.

Além disso, houve um desentendimento com os antigos donos sobre os valores que já tinham sido pagos na venda do negócio.

A organização criminosa tinha ainda uma casa de shows no centro de Duque de Caxias, arrematada por R$ 3 milhões — R$ 1,5 milhão pago em imóveis e o restante em parcelas.

O local era utilizado para receber shows produzidos pela I Follow, produtora administrada pela filha Thuany.

Segundo as investigações, a quadrilha lavava dinheiro com a contratação de artistas e a realização dos espetáculos.

Outro filho, Felipe, controlava um lava jato da quadrilha, que, de acordo com a investigação, também era usado para legalizar dinheiro com origem no tráfico.

Beira-Mar foi ouvido pela Polícia Federal de Rondônia em maio do ano passado.

No extenso depoimento, segundo policiais, contou versões fantasiosas para contestar os crimes de que é acusado. Nervoso, passou mal e precisou de atendimento médico.

Uma das alegações de Beira-Mar foi que contava com a ajuda financeira de familiares e amigos, que faziam um “rateio” para cobrir suas despesas, mas não soube precisar o valor que receberia.

Em um de seus bilhetes, afirmou para um interlocutor que a despesa mensal de sua família girava em torno de R$ 150 mil.

Em depoimento, negou possuir empresas e imóveis em seu nome.

As investigações da Polícia Federal, no entanto, revelaram que tem um vasto patrimônio espalhado pelo país em nome de laranjas.

Somente Alessandra, por exemplo, administrava três apartamentos do irmão num condomínio de luxo na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Cada unidade vale de R$ 500 mil a R$ 1 milhão.

Ela cuidava também dos lotes em um condomínio no Recreio dos Bandeirantes e um imóvel e salas comerciais em Duque de Caxias. Nenhum dos bens estava no nome dela.

A Polícia Federal levantou informações sobre a compra de três apartamentos com o dinheiro do tráfico, em Mato Grosso do Sul, cada um valendo cerca de R$ 250 mil. Um deles estava no nome da esposa de Ryan, filho de Beira-Mar, e outros dois foram registrados no nome do sogro do rapaz, Marcos Germano Paes.

Marcos e sua esposa possuíam renda de menos de R$ 5 mil por mês e movimentaram, em quatro anos, R$ 10 milhões. A polícia acredita que o casal lavava dinheiro proveniente do tráfico.

Em Duque de Caxias, Beira-Mar tinha ainda 17 imóveis no Parque das Missões, comunidade sob seu comando. Arrecadava cerca de R$ 100 mil mensais com os aluguéis dos apartamentos.

Mas não era só: ele ainda cobrava taxas em cima dos lucros de comerciantes que eram seus locatários.

A organização financeira da quadrilha era apurada. Além de contar com um tesoureiro, Beira-Mar controlava com pulso firme seus gastos e lucros e era rigoroso nas cobranças de relatórios de integrantes da quadrilha.

“Deixem bem claro que, enquanto essa planilha não chegar em minhas mãos, não vou liberar um centavo. Se eu descobrir que não passaram os valores exatos, alguém vai arcar com as consequências”, advertiu Beira-Mar em bilhete para um comparsa.

A rispidez era característica comum na hora de exigir o cumprimento de suas ordens. Em carta enviada a um de seus sócios, um empresário de Duque de Caxias, o traficante frisa a necessidade de ser paga uma taxa para as associações de moradores das sete favelas de Duque de Caxias comandadas por ele.

“Outro fato que meu avô deixou bem claro contigo: os 20% das associações é sagrado. Todo mês você tem que mandar, pois é com esse dinheiro que alguns pagam os funcionários. Por exemplo: no DI (comunidade Dois Irmãos), o salário do presidente sai disso”, determinou.

A quadrilha de Beira-Mar conseguiu se instalar também na política.

Nove parentes e pessoas ligadas ao criminoso foram nomeados por quatro vereadores da Câmara Municipal de Duque de Caxias, entre 2010 e 2017.

De acordo com a Polícia Federal, Beira-Mar, mesmo preso em Porto Velho, tinha controle da nomeação de seus parentes para cargos no Legislativo.

Sua filha Thuany e a companheira de um sobrinho, Nicole Cecília da Silva Monteiro, foram nomeadas no gabinete da vereadora Maria Landerleide de Assis Duarte (PRP), candidata a vice-governadora do Rio na chapa de Anthony Garotinho, cuja candidatura foi cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ambas, segundo a PF, eram funcionárias-fantasmas.

Durante uma visita de sua mulher, Jacqueline, à cadeia, em 3 de março de 2017, o traficante faz menção aos cargos conseguidos para Thuany e refere-se a sua sogra, Edite Alcântara Moraes, indicada como assessora no gabinete do então vereador Ailton Abreu Nascimento, o Chiquinho Caipira. As conversas no parlatório foram gravadas com autorização judicial.

“Sua mãe vai ficar com esse emprego para ela, e o da Thuany, eu arrumei um de cinco mil e quinhentos, que vai ficar com a Thuany lá. Esse aí já tá resolvido, já tá certo já. Só tá faltando a documentação chegar pra cá. Porque eu não sei se você entendeu, mas eu quero fazer da sua mãe a mesma coisa que você fez com seu tio. A aposentadoria da sua mãe”, disse Beira-Mar.

O Ministério Público Federal denunciou 40 pessoas, além de Beira-Mar, pelo crime de organização criminosa.

Alguns integrantes foram acusados ainda de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Em maio, após a Operação Epístolas, o isolamento do traficante foi renovado por mais um ano no presídio federal de Porto Velho.


  

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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques