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Curto&Grosso O que ainda será manchete

ENTREVISTA

Entrevista com Beto
09/12/2003 - LancePress

Após dois meses de silêncio, Beto recebe a reportagem do LANCE! em sua ampla cobertura duplex no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

O apartamento, aliás, é símbolo de uma mudança tão radical que, por vezes, ainda perturba a cabeça do meia. E o leva a cometer erros que ele próprio reconhece.

Para quem chegou a passar fome, a olhar vitrines sem ter a perspectiva de poder consumir o que quase todos os jovens ambicionam, a fama e o conforto provocam a ânsia por curtir a vida. É assim que Beto justifica o gosto pela noite.

Tentando administrar algumas de suas contradições, ele diz saber que a fama de bad boy atrapalha sua carreira. Mesmo assim, diz não pretender "se prender" para voltar ao topo.

Beto diz se sentir perseguido, sufocado. Fala com franqueza que já ficou em situações embaraçosas graças à inexperiência do técnico do Vasco, Mauro Galvão.

Diz que não recebe há quatro meses e que seu futuro é uma incógnita.

Por que você decidiu parar de dar entrevista?

BETO: Parece que fizeram um pacto contra mim. Escreveram o que eu não gostei e resolvi me calar. Não falto a treinos porque quero. Falto quando tenho problema. Vocês conhecem o Eurico. Se estivesse irritado não teria me mandado embora? Joguei no Flamengo, ele não iria engolir. Nunca tive problema com ele.

-- Mas o Mauro Galvão parece ter se aborrecido com você.

Beto: Disseram que eu tinha sido barrado, mas não joguei porque vinha de lesão e comecei no banco (contra o Figueirense). Se Mauro Galvão me barrasse, eu ia perguntar o motivo. Disseram que eu não jogaria mais no Vasco neste ano e joguei. Mauro é excelente pessoa, mas está começando. Não sabe sair de algumas armadilhas e acaba falando coisas que não são corretas. Eu o chamei para conversar e disse: "Isto está errado". Ele não pode dizer que eu não avisei que não iria treinar. Posso ter avisado a alguém do clube e ele não saber. Há outras formas de se resolver.

-- A inexperiência influi no trabalho dele no campo também?

Beto: Hoje é difícil dizer que ele é um excelente técnico. Vai evoluir. Como jogador, era experiente. Como técnico, está em outra fase.

-- Treino é a parte chata do futebol?

Beto: Não. Eu tenho prazer em jogar e treinar. Mas alguns treinos são repetitivos. Só tive treinos diferentes, atraentes, com Paulo Autuori e Zagallo. Tem vezes em que o jogador vai para o treino pensando: de novo aquele treino "chático". Fora do Brasil, os técnicos são melhores nisso.

-- Já teve problemas com técnicos? Você abandonou o Flamengo no intervalo de um Fla-Flu, em 2002.

Beto: Ali eu me irritei com o Lula (Pereira). Mais pelo grupo do que por mim. Ele ficava na beira do campo reclamando de todo mundo, gesticulando. Eu disse que achava errado. Falei que estava fora e saí. Trabalhei com "durões", mas só tive problema com Lula e Lazaroni. Quando cheguei no São Paulo, perguntaram se eu mudaria porque Levir não tolerava bad boys. Continuei brincando e nos demos bem. Às vezes, um treino chato passa rápido com a zoação. Tem técnico que tenta mudar isso só para mostrar que sabe se impor.

-- Mas você se sente perseguido?

Beto: No Brasil, o jogador é muito reprimido. É sacanagem o que falam de mim. O momento que eu tenho para sair é esse. Se eu não sair agora vou sair quando? Quando tiver 70 anos? Gosto de boates, de pagodes e pelo menos coloco a cara. Tem uns que dizem que não saem e eu encontro nos lugares. No exterior, as pessoas não se preocupam tanto com a vida particular do jogador. Lá, fazem até coisas bem piores e não se diz nada. Em São Paulo, a noite é muito mais movimentada. E os cariocas levam a fama. Teve um dia em que eu estava vetado e fui para a praia. Saiu no jornal como se eu não pudesse fazer isso. Tinha que ficar vendo pela TV?

-- Mas isto não prejudica sua carreira, sua imagem?

Beto: Prejudicaria se eu deixasse de treinar. Uma vez fui de carona com o Fábio, cheguei 40 minutos antes e ninguém viu. Disseram para a imprensa que eu tinha faltado. No final, me viram saindo. Falto muito também porque não olho a programação. Muitas vezes, trocam o horário do treino e não me avisam. Uma vez eu estava viajando e sem celular. O treino passou para a manhã, mas treinei sozinho à tarde. Dependo da minha força. Se não estiver bem fisicamente não vou render. Tenho família grande, duas mulheres, dois filhos, todos dependem de mim.

-- Mas às vezes você falta.

Beto: Teve um dia que eu disse: "não estou afim". E não fui treinar. Tem horas que dá essa maluquice na minha cabeça e depois me arrependo.

-- Você admite que não serve de exemplo para os jovens do Vasco?

Beto: Sempre falei para todo mundo: "vocês estão começando, não podem fazer o que eu faço". Eu tenho um nome, posso me garantir. Nunca me liguei em ninguém para ser exemplo, não tem porque querer ser exemplo para alguém. E antes eu saía bem mais. Tenho me segurado.

-- Você já extrapolou?

Beto: Já. Sei controlar a bebida, por exemplo, até porque não gosto que dirijam meu carro. Mas teve dias em que cheguei em casa às cinco, acordei às sete, quis dormir mais um pouco e me ferrei. Perdi a hora.

-- O gosto pela noite tem a ver com seu passado?

Beto: Acho que sim. Quando eu ia pensar em ter um apartamento desse, um carro como o meu? Chegar numa loja, ver um tênis bonito e poder comprar? Antes, só olhava a vitrine. Dar autógrafo, ver minha foto no jornal, tudo veio rápido. Em 94, eu era júnior. Em 95, estava na Seleção com tetracampeões como Dunga e Zagallo. Parei de estudar na oitava série. Ainda lembro de Cuiabá. Passei fome, ia para lá de ônibus. Há muito tempo não entro num ônibus. Agora quero curtir. Antes eu não podia.

-- Tem trairagem no futebol?

Beto: Tem. É raro me ver sair com jogador. Saio com meus amigos. Um dos poucos do futebol que saem comigo é o Fernando (do Flamengo), que também é muito vigiado. Deixa o cara curtir, tem 23 anos, não tem pai nem mãe. A gente gosta de tomar uma cerveja. É difícil um cara ir ao pagode e ficar na Coca-Cola. Mas tem os jogadores que contam que você saiu e estavam lá. Se fazem de santos. Eu dou a cara. Se chego do bagaço, peço um treino mais leve. Tem o cara que vira a noite, faz uma m... de treino e sai como santo.

-- E no Vasco isto acontece?

Beto: Tem uns buchinhas e eu sei quem são. Uns funcionários que acham que vão ganhar alguma coisa passando notícia errada sobre mim. Só porque eu era do Flamengo.

-- Você está feliz no Vasco? Acha que o clube quer que você fique?

Beto: Estou feliz. Achei que a adaptação ia ser mais difícil, mas tenho o grupo ao meu lado. Todos me tratam bem. Sempre que falto, reúno os garotos e explico o motivo. Acho que o clube me quer. Se não, por que fariam um contrato longo? Dizem que querem me vender. Mas se eu não quiser ir para onde tentarem me mandar, não vou. Jogo onde eu quiser. Romário foi amado e odiado no Vasco. Por que não pode ser igual comigo?

-- Mas e os salários?

Beto: Devem quatro meses. Mas já estou acostumado, já fiquei cinco, seis meses sem receber em outros clubes. No Rio, só o Fluminense me pagou. Como tenho uma situação boa, me seguro. Fico chateado pelos garotos, que passam necessidades. Sei como é. Às vezes, até ajudo do meu bolso. A diretoria diz que não tem dinheiro, não sabe quando vai pagar.

-- Existe mesmo a figura do "chinelinho" no futebol?

Beto: Claro que tem. O cara chega e diz que não pode treinar e no dia seguinte está bom para jogar. Foi a algum curandeiro? Mas no Vasco a molecada não faz isso.

-- Você pretende jogar até quando?

Beto: Eu tenho mercado. Sou forte, tenho disposição e raça. Torcedores pedem para eu ir para o clube deles. Muita gente me procura, até do exterior. Vou jogar enquanto tiver fôlego. Se não fossem as lesões, estaria no auge. Quando parar, só vou querer curtir. Tenho o sonho de casar, ter uma família. Hoje cada filho meu mora com a mãe. Queria que estivessem do meu lado.

  

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