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RELEITURA
Juiz já foi sacerdote e rei; agora, é escravo da máquina
14/04/2008
- Antonio Pessoa Cardoso*
A função de julgar originou-se com o nascimento da própria sociedade, pois onde existe o homem, sempre houve o choque de interesses, causando daí o litígio judicial que reclama solução.
A expressão consagrada pela Revolução Francesa de que o juiz seria a boca da lei já é ultrapassada. Assim, o juiz do passado se limitava a mecanicamente dizer a lei, imposta pelos outros poderes; o juiz era um autômato e não exercia o poder da criatividade. Abusou tanto desta situação que a sociedade demonstrou intolerância e buscou a alternativa da substituição do homem pela máquina. Na verdade, o Judiciário nunca soube planejar seu futuro, pois sempre se mostrou renitente às mudanças, esperando que todos, povo e governos, estariam prontos para defenderem seus interesses institucionais e suas necessidades funcionais.
O juiz já foi sacerdote, já foi rei; atualmente, para uns, é poder, para outros, é funcionário do Estado; no futuro o que será?
A tecnologia veio para beneficiar o cidadão em todos os segmentos e, no Judiciário, pode ajudar os juízes na missão de julgar. O espaço físico do juiz, como já acontece com algumas empresas privadas nos Estados Unidos, situar-se-á, muito brevemente, no laptop e seu trabalho será produzido em qualquer parte onde ele estiver, em casa, no hotel, ou em outra cidade.
O processo eletrônico não reclama a presença física do advogado ou do juiz; a petição recebe capa eletrônica, numeração e segue diretamente por meios eletrônicos para decisão do julgador; esteja em qualquer lugar, a internet modificará substancialmente o sistema convencional da atividade judicial.
O corre-corre do Judiciário para suplantar a extrema morosidade não mais acontecerá, porque o julgador não terá todo o tempo para cumprir as formalidades exageradas de um processo, que, ao invés de instrumento para efetivação da Justiça, tornou-se objetivo maior dos operadores do Direito.
Muito breve, os governos instalarão pontos nos diversos bairros das cidades para acesso do cidadão à internet, tal como se procede, atualmente, com os telefones públicos.
O homem fabrica, cria o que não existe e caminha para reproduzir o próprio homem. Se tudo isto já ocorre, maior a facilidade para exercer suas atividades como já se faz nos bancos, nas escolas, etc.; o carro, o avião alterou substancialmente os costumes do homem e promoveu facilidades nos deslocamentos; a máquina já substitui o homem em várias atividades.
É o que já começa a acontecer com o Judiciário!
O Judiciário em si continua em berço esplêndido sem saber seu passado, nem prever seu futuro. As mudanças aconteceram por ingerência direta da sociedade, mas grande parte dos juízes resistiram na aceitação de métodos modernos e alternativos em substituição aos meios convencionais e ultrapassados.
Mas o tempo mostrou que o processo pode movimentar-se sem a necessidade física do juiz ou mesmo do servidor, porque sistemas inteligentes já atuam em despachos padronizados, a exemplo, da remessa dos autos para cálculos, da determinação para manifestação das partes, do Ministério Público, admissão de recursos, etc.
A experiência do norte americano Douglas B. Lenart, responsável pela criação de um programa denominado Cyc. Lenart e outras experiências prestaram-se para a formação do juiz virtual nos dias atuais. Como se sabe, Douglas dizia que “se Cyc aprender todo o corpo de leis de um país, mais a jurisprudência (casos jurídicos anteriores) e, finalmente, alguns conceitos de moral, decência, dignidade, humanidade e bom senso, nada impede que ele seja capaz de exercer a função de juiz muito melhor do que os humanos” (SABBATTI, Renato M. E. O Computador-Juiz).
Nos Estados Unidos, o National Center for State Courts (NCSC), criado em 1971, é mantido pelos governos federal, estadual e pela iniciativa privada. Destina-se a promover pesquisas sobre temas relacionados com o Judiciário, fornece informações, presta serviços de consultoria, secretaria, assistência técnica, além de ser repositório central de literatura judiciária, e fazer intermediação entre os tribunais e o governo federal. Envolve-se fundamentalmente em contribuir para melhorar a administração da justiça, porque entendem que a qualidade das decisões judiciais depende fortemente do gerenciamento da informação.
Cada estado americano tem competência para tratar de sua organização judiciária, mas desde 1977, quase toda a justiça do País possui administradores judiciais, investidos de poderes para programar a política administrativa do judiciário, liberando os juízes para dedicação exclusiva na composição dos conflitos, como sempre reclamou o mestre Calmon de Passos, no Brasil. Ainda não se sabe se a sociedade estará satisfeita com as sentenças que poderão originar-se dos programas de computador ou se prefere retornar ao tempo das sentenças longas e demoradas originadas da mente do homem.
Certamente aparecerão reclamações como aconteceu, quando se criou o carro a gasolina para substituir a carroça movida pelo cavalo; muitos gritaram pela volta das charretes e excomungaram as máquinas que andam.
O Tribunal de Justiça da União Européia torna-se a Corte Constitucional de todo o continente; também na América Latina teremos um Tribunal para todos os países latinos.
Neste novo sistema, perde sentido a hierarquia, as rotinas irracionais, as férias e não há reclamação de atraso das decisões judiciais, pois as metas são cumpridas nos prazos marcados.
O juiz já foi sacerdote e rei, mas agora é escravo da própria máquina e servo do poder.
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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia. Artigo transcrito da revista Consultor Jurídico
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