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RELEITURA

Livro-autópsia do Império X
18/11/2014 - Blog de Geraldo Samor - Veja.com

O julgamento de Eike Batista pelos crimes de insider trading e manipulação de mercado, que começa hoje à tarde no Rio de Janeiro, promete lances de tensão.

Estão convocados para depor, como testemunhas, Luiz Carneiro (ex-CEO da OGX), José Faveret (ex-diretor jurídico) e Roberto Monteiro (ex-diretor financeiro e de RI), que compunham a diretoria da petroleira quando Eike se comprometeu a injetar 1 bilhão de dólares na companhia – a famosa “put option”.

O fato de Eike ter vendido um grande número de ações da OGX dias antes de anunciar ao mercado que não cumpriria a promessa é um dos que encorpa a acusação do Ministério Público Federal. Antes do anúncio, a ação negociava a 78 centavos; depois, caiu para 40.

Em “Tudo ou Nada – Eike Batista e a verdadeira história do grupo X” (Record; 546 páginas; 55 reais) — um trabalho de fôlego que chegou às livrarias no fim de semana — Malu Gaspar, jornalista de VEJA, mostra que a promessa frustrada por Eike levou a um ácido conflito interno — que deve ser relembrado hoje, diante do juiz.

A seguir, um trecho do livro que retrata a briga em torno da “put”:

“Mesmo assim, a promessa da put de 1 bilhão de dólares ainda pairava — como uma sombra — sobre o Serrador. Enquanto o BTG estivera no controle, muito tempo fora perdido tentando encontrar uma maneira de Eike escapar do compromisso — sem sucesso. O contrato previa que, se a petroleira precisasse de dinheiro e não houvesse nenhuma alternativa melhor para captar recursos, cabia à diretoria exigir o aporte dos recursos. O momento chegara, mas a última coisa que Eike queria era ser confrontado publicamente com aquela promessa inoportuna.

Por causa da put, o mal-estar entre a turma de Eike e a de Luiz Carneiro, o CEO da OGX, crescera a ponto de eles mal se falarem. Nos últimos meses, os dois times vinham limitando as conversas ao estritamente necessário. E, ainda assim, sempre saía faísca. Os executivos da OGX sabiam que Eike faria o que estivesse ao seu alcance para não ter de desembolsar o dinheiro, mas ainda alimentavam alguma esperança de que ele se sentisse constrangido a fazê-lo, com medo da má repercussão do calote no mercado.

Naquele final de agosto, enquanto revisava a papelada do plano de recuperação da OGX com o colega José Faveret na sala de reuniões da Blackstone, o diretor financeiro Roberto Monteiro começou a divagar, admirando a vista dos prédios da Wall Street. Pensava nas sucessivas vendas de ações que Eike fizera recentemente, e lembrou-se de alguns comentários que ouvira, aqui e ali, sobre Eike passar o controle da companhia adiante. De repente, teve um clique. “Faveret, o que acontece se o Eike vender as ações? O que acontece se ele perder o controle da companhia?” O outro respondeu. “Se ele deixar de ser o controlador, a put também deixa de valer.” Monteiro exclamou: “É isso! Ele está vendendo tudo para sair do controle!”

Faveret, o que mais defendia Eike no grupo da OGX, ainda duvidou. Achava que Monteiro, que se situava sempre no extremo oposto, exagerava. Ainda assim, dispôs-se a telefonar para o Rio e dar uma incerta. Na ligação para um executivo da holding, Faveret agiu como se já soubesse de tudo. “Puta que pariu, vocês estão vendendo as ações do Eike! Vocês estão deixando o controle! Isso é uma sacanagem, isso não se faz!!!” A reação vacilante do interlocutor fez Faveret se convencer de que, sim, estava acontecendo. Diante das ameaças de revelar tudo ao mercado imediatamente, os executivos da holding admitiram que Eike vinha se desfazendo de suas ações na bolsa, mas prometeram que ele não deixaria o controle da empresa.

No calendário dos investidores comuns, que não estavam a par do jogo interno da OGX, aqueles dias representavam a última esperança de se desfazer das micadas ações da empresa, graças a uma tecnicalidade do mercado financeiro. O enorme volume de ações da petroleira negociadas naqueles dias de efervescentes apostas a respeito do futuro do império X fizera com que a participação das ações da empresa na composição do índice Bovespa aumentasse de 2% para 4%.

Pelas regras, cabia aos chamados fundos passivos, que replicavam em seus investimentos a distribuição exata das ações no índice, atualizar suas carteiras na virada do mês. Estimava-se que tais fundos tivessem de comprar entre 69 milhões e 187 milhões de ações da OGX — o que, imaginavam os pequenos investidores, ajudaria a diminuir o prejuízo. Só que, quando chegou a hora de os tais fundos comprarem as ações, os pequenos não conseguiram vendê-las. Consultando seus interlocutores nas mesas de operações dos bancos, ficaram sabendo que havia alguém desovando uma grande quantidade de papéis no mercado e tomando conta de todas as ordens de compra.

Depois do fechamento do pregão daquele dia 29 de agosto, a OGX emitiu um aviso que esclarecia o mistério. O grande vendedor era o próprio Eike. E os pequenos acionistas da OGX haviam perdido uma grande chance de se livrar do mico em que haviam se transformado as ações da petroleira.

Cumprindo uma regra da CVM — que manda que as empresas com ações em bolsa avisem ao mercado sempre que o acionista controlador vender suas ações —, a OGX informou que, entre os dias 28 de agosto e 3 de setembro, o empresário se desfizera de 227 milhões de ações, ou 7,03% da companhia, arrecadando 111 milhões de reais. No mesmo período, vendera também uma fatia de 5,38% da OSX, embolsando mais 15 milhões de reais.

Os comunicados, porém, omitiam um detalhe. Desde 30 de julho, a diretoria fizera circular um aviso em que proibia funcionários, conselheiros e até parentes de negociar suas ações, dada a proximidade da divulgação do balanço semestral da empresa. Em 14 de agosto, a restrição fora reforçada, desta vez em razão da negociação com os credores. A diretoria já havia até negado permissão para que um dos conselheiros da OGX vendesse parte de suas ações. E então justo Eike aparecia vendendo participação a rodo?”


  

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