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RELEITURA
O intelectual e o mercado
14/01/2015
- Blog de Rodrigo Constantino - Veja.com*
“A justificativa da concorrência é mais forte no ensino do que no pão.” (George Stigler)
Goerge J. Stigler foi um dos grandes nomes da Escola de Chicago, ao lado do seu amigo Milton Friedman.
Ele ganhou o Prêmio Nobel em economia no ano de 1982, e foi um dos fundadores da Mont Pelerin.
Enquanto cursava em Chicago, sofreu bastante influência de Frank Knight, que foi seu supervisor de dissertação do PhD.
Sua fama advém principalmente de sua teoria sobre regulação, também conhecida como “captura”, que mostra como os grupos de interesse usam as forças coercitivas do governo para moldar as leis em benefício próprio.
Sua teoria foi um componente importante do campo econômico das falhas de governo. Defendeu ainda a indagação intelectual irrestrita, lutando contra os limites impostos pelos próprios acadêmicos aos temas impopulares ou controversos.
No livro O Intelectual e o Mercado, Stigler trata de diversos assuntos do mundo acadêmico. A seguir veremos uma síntese de sua visão acerca da hostilidade dos intelectuais para com o mercado.
Em primeiro lugar, Stigler lembra que nenhuma sociedade foi capaz de sustentar muitos intelectuais -- que não são baratos -- até o surgimento do sistema moderno de mercado.
Em Atenas, ele calcula que deveria existir apenas algo como um intelectual por cada 1.500 habitantes.
Atualmente, a maioria dos americanos leva uma vida confortável por causa justamente das grandes realizações do mercado.
Como diz Stigler, os “professores devem muito mais a Henry Ford do que à fundação que lhe leva o nome e lhe gasta o patrimônio”.
Os êxitos do mercado permitem que uma classe intelectual bem mais numerosa seja sustentada.
Além disso, os princípios organizadores tanto do mercado como dos intelectuais são os mesmos, e isso deveria ser outra razão para que o intelectual fosse simpático ao mercado.
Ambas as áreas adotam um sistema de livre iniciativa, ou seja, de contrato voluntário.
Nem a fraude nem a coerção fazem parte da ética do sistema de mercado.
Da mesma forma, o credo fundamental do mundo intelectual é que “as opiniões devem nascer da discussão livre e na base da revelação plena e total de evidências”.
Logo, a fraude e a coerção são igualmente repugnantes ao intelectual.
A liberdade de pensamento deve ser preservada, e o meio para tanto é através da concorrência entre diferentes idéias.
Portanto, a autoridade é a grande inimiga da liberdade de indagação.
Se uma idéia é boa ou verdadeira, não importará, ao verdadeiro intelectual, de qual raça, credo ou classe social ela é proveniente.
O mesmo vale para a eficiência no mercado, cuja impessoalidade defende que toda pessoa capaz possa ingressar numa indústria ou exercer uma ocupação.
Para concluir as afinidades, Stigler afirma que ambos os campos dão muita atenção à embalagem e à publicidade, e ambos atribuem um valor absurdamente alto à originalidade.
Não obstante tudo isso, as hostilidades que os intelectuais costumam direcionar ao mercado são evidentes.
Normalmente, deve-se ao profundo desprezo pelo lucro, que dirige a atividade econômica, além de uma profunda desconfiança do comportamento a que ele conduz.
Muitos acusam a sociedade moderna, especialmente a americana, de materialismo, apontando as preferências vulgares do povo.
Stigler enxerga nisso certa hipocrisia, já que muitos dos próprios intelectuais costumam desfrutar dos mesmos bens vulgares que criticam.
Além disso, lembra que a economia norte-americana não produz somente bens deste tipo, mas inúmeros artigos refinados.
A comparação é injusta também quando se coloca de um lado as aristocracias antigas, e do outro todo o povo de uma nação.
Em períodos anteriores, como explica Stigler, “a vasta maioria da sociedade nem mesmo era considerada parte da sua cultura, pois era analfabeta, dominada pela tradição e vivia na maior parte como animais em cabanas primitivas”.
Comparar os gostos de toda uma população com uma minúscula parcela da elite de uma cultura não parece muito honesto.
Mas essa ressalva não anula a crítica válida de que os gostos do público em geral -- e dos intelectuais também -- possam ser refinados.
O problema principal consiste em mirar no alvo errado para fazer tal crítica.
Stigler diz:
“O mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros”.
Trata-se de uma constatação bastante óbvia, mas curiosamente ignorada pelos críticos do mercado.
Não faz sentido condenar o termômetro pela febre, assim como é injusto condenar o garçom pela obesidade do cliente.
Os defeitos, portanto, não se encontram no mercado em si, mas são dos próprios gostos populares.
Alguns intelectuais reagem afirmando que a propaganda decide o gosto, mas, como acredita Stigler, “a indústria publicitária não dispõe de poder soberano para dobrar a vontade do homem”.
Na verdade, basta verificar como os grandes publicitários procuram justamente entender as preferências para depois escolher a estratégia de venda.
Os consumidores não são crianças irracionais que correm feito autômatos para onde a propaganda aponta.
Isso sem falar dos apelos contraditórios entre diferentes propagandas, já que os interesses das diferentes indústrias são muitas vezes conflitantes.
Seria mais sincero por parte dos intelectuais, portanto, pregar diretamente ao público, sem apelar para bodes expiatórios ou usar a publicidade como saco de pancadas.
E Stigler vai mais longe, acreditando que esses intelectuais ganhariam em virtude também se examinassem mais criticamente seus próprios gostos.
Eis o exemplo que ele dá:
“Quando um bom comediante e uma produção de Hamlet estão sendo passadas em canais rivais, eu gostaria de acreditar que menos de metade dos professores estão rindo”.
Será?
Um dos maiores motivos de implicância com o mercado é a idéia de que ele está condicionado aos interesses egoístas das pessoas.
Isso acaba parecendo uma mistura de hipocrisia com ignorância, pois ignora que em diversas outras tarefas o mesmo “egoísmo” está presente, e ignora também que esta busca pelos próprios interesses não necessariamente é negativa para a sociedade.
Será que o mesmo intelectual que faz esta crítica não está em busca de status profissional?
Será que o egoísmo de um empresário inovador não deve ser comemorado por todos que se beneficiam de sua invenção?
A visão de que a economia é um jogo de soma zero não ajuda, pois muitos passam a crer que o lucro de um homem é o prejuízo do outro.
Nada mais falso, entretanto, já que a riqueza da sociedade como um todo vem aumentando sistematicamente, graças aos ganhos de produtividade que são resultado justamente desse mecanismo de mercado.
A maior parte dos ganhos das inovações no mercado é transferida para a comunidade em geral, e basta observar o conforto material que um simples trabalhador americano pode desfrutar hoje comparado ao que a nobreza tinha no passado.
Logo, ao menos em parte, a antipatia dos intelectuais pelo lucro no mercado tem origem na falta de compreensão de sua lógica e da maneira como funciona.
Hayek, quando escreveu sobre a tendência dos intelectuais defenderem o socialismo, concluiu que o sucesso dos socialistas estava em sua postura utópica que captura o apoio dos intelectuais e influencia a opinião pública.
Isso vai ao encontro do que Stigler diz, quando afirma que as pessoas são românticas e preferem muito mais soluções fáceis e diretas para seus problemas.
O “analfabetismo econômico”, do qual os intelectuais não estão livres, complica o quadro, e somado aos interesses de determinados grupos, gera esta hostilidade em relação ao mercado.
Muitos intelectuais, é importante destacar, recebem benefícios diretos do governo.
Que cão morde a mão que o alimenta?
Uma mistura de interesses, ideologia romântica e ignorância, portanto, poderia afastar muitos intelectuais da defesa do livre mercado.
A sociedade perde muito com isso.
George Stigler conclui em seu livro:
“Nossa atitude dominante em relação ao mercado não mudou desde os tempos de Platão; não será possível que tenha chegado a época de repensar a questão?”
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