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Cuiabá MT, 21/11/2024
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Curto&Grosso O que ainda será manchete

RELEITURA

Rio Cuiabá -- Morte pré-datada
11/02/2005 - Marcos Antonio Moreira -- fazperereca@yahoo.com.br

Agora não se trata de conversa de botequim ou sinistrose de ecologista. Documento oficial afirma que em dez anos o Rio Cuiabá pode ter o mesmo destino do Taquari, no Pantanal de Mato Grosso do Sul.

Esta conclusão não é mais uma daquelas tantas sinistroses ou catastrofismos inconseqüentes de ecologeiros ou ecochatos, lamentavelmente.

A advertência está em documento encaminhado, no último mês de junho, pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil ao Departamento de Hidrovias do Interior do Ministério dos Transportes.

Documento que traz a assinatura do “pai da matéria”, o engenheiro civil Domingos Iglésias Valério, habilitado nas áreas de Portos, Rios e Canais -- nome respeitado nacionalmente como uma das maiores autoridades no assunto.

O Taquari é -- ou era -- um dos principais afluentes da margem esquerda do rio Paraguai, cuja foz, multiplicada em dezenas de braços, praticamente desapareceu espraiada no Pantanal de Mato Grosso do Sul, pouco abaixo de Corumbá.

O destino do Cuiabá será exatamente o mesmo, num trecho de 250 km a partir da foz, no São Lourenço. Igual sorte também está reservada, num horizonte de no máximo 15 anos, aos rios Pixaim, Alegre e Cassange, localizados no Pantanal de Poconé.

Entre as causas apontadas pelo documento da Defesa Civil de Mato Crosso estão o desnudamento da cobertura vegetal em praticamente toda a área de abrangência da bacia hidrográfica do Cuiabá, para exploração de atividades agropastorís; a extração comercial de areia e de argila, sem qualquer acompanhamento técnico; a expansão da malha urbana, entre outros fatores que promovem o assoreamento do leito do rio e que sacrificam a recarga anual do lençol freático.

O documento da Defesa Civil adverte que, para o rio voltar a ser usado como até 1960, “exigirá um dificílimo trabalho com altíssimo custo, podendo surgir implicações políticas e econômicas que o inviabilizariam”.


SOLUÇÕES COSMETICAS

Muito pouco ou quase nada tem sido feito pelas autoridades constituídas, no sentido de atacar as causas da degradação, objetivando deter ou, pelo menos, minimizar os efeitos ruinosos do processo que está provocando a agonia do rio Cuiabá e, também, dos demais rios mato-grossenses.

Geralmente, para não melindrar interesses políticos e econômicos poderosos, prevalece a norma de fechar os olhos para a realidade, apesar das repetidas denúncias feitas através da imprensa sobre casos flagrantes de crimes ambientais.

Os tristemente famosos “aterros” construídos na década de 70 pelo Grupo Camargo Corrêa, no Pantanal de Poconé, e as mansões erguidas sobre as águas da Baía de Siá Mariana, no Pantanal de Barão de Melgaço, são apenas dois exemplos. Um bem antigo e outro bem recente, citados apenas para lembrar que, na gerência da questão ambiental, o descaso é a regra e não a exceção e que a conivência impera não é de agora.

O “Caso Camargo Corrêa”, a propósito, é emblemático: em 30 anos, o problema só foi debatido uma única vez na Assembléia Legislativa, por iniciativa do então deputado Djalma Carneiro da Rocha, hoje conselheiro do Tribunal de Contas.

Sintomaticamente, foi um dos pronunciamentos mais aparteados na história do parlamento mato-grossense -- todos para condenar a “ousadia” do deputado e defender as “boas intenções” da generosa empreiteira. (Na foto à direita, a pista de pouso pavimentada e a sede, refúgio de presidentes, ministros e governadores).

No mais, prevalece a regra. Melhor dizendo: a exceção.

Excetuando um ou outro caso de intervenções pontuais como a criação do programa de micro-bacias -- adotado com excelentes resultados práticos no Estado do Paraná, mas aqui carecendo dos recursos necessários para transformá-lo em realidade -- o que se observa são apenas soluções cosméticas.

A implacável perseguição movida contra miseráveis pescadores artesanais, enquanto poderosas máfias retiram diariamente de nossos rios milhares de toneladas de peixe, sem maiores transtornos, é apenas mais um entre tantos outros exemplos de soluções pirotécnicas.

Por outro lado, da parte da sociedade civil organizada, as poucas iniciativas no sentido de evitar a completa degradação ambiental ou têm fôlego curto ou servem para camuflar interesses políticos e econômicos subalternos (caso da quase totalidade das Organizações Não Governamentais – ONGs, constituídas para “defender” as causas ambientais). Ou, então, são iniciativas que tentam maquiar investidas descaradamente demagógicas, como o lançamento de alevinos nos rios sem qualquer critério ou embasamento científico, mas com comprovados resultados eleitorais.

A rigor, as únicas boas noticias no tocante à questão ambiental são de iniciativa dos próprios produtores: a adoção do sistema de plantio direto e a prática do plantio em curva de nível, ambas de comprovados resultados ecológicos e econômicos. Da parte do governo, a última grande contribuição data, ainda, de meados da década de 80, quando pesquisas da Embrapa resultaram na descoberta do chamado “suco de lagartas” -- utilizado no controle biológico de determinadas pragas que atacam a soja e algumas outras culturas -- o que contribuiu para reduzir, sensivelmente, a aplicação de produtos químicos nas lavouras.

EQUÍVOCO

Na base de toda a problemática ambiental está um conceito equivocado de desenvolvimento.

O conceito segundo o qual “desenvolvimento” significa desmatar, enleirar, meter fogo; depois arar, gradear, calcarear, semear e cobrir o solo -- até onde a vista alcança -- com extensas monoculturas de soja, algodão, milho, arroz, sorgo, girassol, cana de açúcar ou o capim da moda.

Ainda de acordo com este conceito, um município só está “progredindo” quando está multiplicando rapidamente sua população, quando está ampliando sua malha urbana, quando está atraindo novas plantas industriais. Por este entendimento, a suprema glória para os investidores “mais progressistas” é -- numa festa de arromba “para poucos e bons” -- receber um cetro dourado, ter seu ombro coberto por um manto púrpura e ser coroado “rei”.

Rei da soja, rei do gado, rei da cocada preta, rei de qualquer coisa...

Já o administrador público só “é bom e tem futuro” quando pode chegar ao fim de sua gestão dizendo que, no período de seu mandato, a população duplicou, que a atividade extrativa triplicou, que o rebanho quadruplicou, que a produção agrícola quintuplicou e que só lamenta não poder apresentar índices ainda mais fantásticos de desenvolvimento porque tem muita área indígena no território de seu município. Não fosse isto...

Para os que comungam deste conceito, pouco importam os elevados custos sociais e ambientais nem o limitadíssimo número de beneficiários deste modelo de “desenvolvimento”.

MODELO PREDADOR

Toda legislação vigente -- a ambiental, inclusive -- está direcionada no sentido de solidificar o modelo predador e imediatista de desenvolvimento. Basta lembrar que são “legalmente” consideradas “improdutivas”, as áreas não desmatadas.

Até as normas bancárias para concessão de financiamentos oficiais contribuem para o agravamento da problemática ambiental.

De nenhum produtor é exigido, quando da abertura de novas fronteiras agrícolas, a manutenção obrigatória de faixas de vegetação nativa nas áreas abertas para cultivo de grandes lavouras de ciclo curto. Por iniciativa própria, alguns poucos produtores adotam esta prática.

Além de preservar as espécies vegetais nativas, estas faixas de vegetação servem de refúgio para animais silvestres. Insetos e pequenos vertebrados, assim protegidos, cumprem a função natural de manter equilibrado o número das espécies e a função econômica de promover o controle biológico.

Na quase totalidade das propriedades onde se pratica o cultivo em larga escala, na ausência de predadores naturais, algumas espécies de insetos aumentam descontroladamente e passam a ser consideradas “pragas”. Provocam, desta forma, prejuízos econômicos aos produtores que, para combatê-las, empregam doses maciças de produtos químicos, encarecendo a produção e prejudicando o meio ambiente.

Também dos proprietários de áreas já “produtivas” não se exige o plantio de espécies arbóreas para cumprir a função de quebra-vento, prática exigida desde o governo do presidente Theodore Roosevelt, no início do século XX, nos Estados Unidos. Essas faixas de vegetacão elevam as correntes de vento, reduzindo os efeitos da evaporação e o conseqüente esturricamento do solo. Prolonga-se, assim, o período de retenção da umidade, aumentando a produtividade. Impede-se, também, a formação de redemoinhos que levam para longe camadas de solo produtivo, além de reduzir os efeitos das correntes frias prejudiciais às lavouras.

Quem viaja pelas estradas de Mato Grosso que cortam as regiões produtoras de soja, milho, algodão ou aquelas em que prevalece a criação intensiva de gado, raramente consegue ver no horizonte uma única árvore. No máximo, de longe em longe, se depara com uma barreira de eucaliptos protegendo as instalações existentes na sede. Proteção, aliás, que não é dada ao solo.

Embora, tanto a manutenção faixas de vegetação nativa, quando da abertura de novas fronteiras, quanto o plantio de espécies perenes, para servir de quebra-vento, sejam práticas que produzam excelentes resultados ambientais e também econômicos, ninguém no Executivo ou no Legislativo se anima em torná-las obrigatórias, para não contrariar interesses imediatistas.

Neste contexto, a agonia do rio Cuiabá apenas dá seqüência a uma série de catástrofes ambientais previsíveis.

Se nada de concreto for feito, o Cuiabá terá o mesmíssimo destino do Tietê, em São Paulo; do das Velhas, em Minas; do Taquari, em Mato Grosso do Sul e tantos outros rios marcados para morrer, em nome do “desenvolvimento” e do “progresso”.


AGREDIDA, A NATUREZA DÁ O TROCO

Em condições naturais, ou seja, quando a precipitação ocorre em solo coberto por vegetação nativa, empiricamente -- isto é: “na orelhada” -- a destinação da água da chuva pode ser assim dividida: 1/3 escorre para as partes mais baixas do terreno, aumentando, momentânea ou temporariamente, o volume dos córregos e rios; outro terço evapora, aumentando a umidade relativa do ar e retorna, depois, sob a forma de novas precipitações de chuva, de neblina ou de sereno, e a terça parte restante penetra no solo, alimentando e robustecendo os lençóis freáticos, que são os depósitos subterrâneos cuja principal função é manter vivas as fontes e nascentes, que alimentam os cursos d’água durante todo o ano. Isso a grosso modo.

Variações para mais ou para menos naquele percentual dependem, naturalmente, entre outros múltiplos fatores, da intensidade e da duração das chuvas e das condições geológicas, geográficas, topográficas e climáticas específicas de cada região.

No momento da precipitação, ao impactar contra a vegetação e outros corpos naturais como as rochas, cada gota de chuva se transforma em centenas ou milhares de gotículas. Isto facilita a evaporação, favorece a absorção e reduz ao mínimo o atrito mecânico direto contra o solo, de tal forma que a água que escorre para as áreas mais baixas não provoque erosões ao longo do percurso nem o assoreamento do leito dos rios e córregos.

Sabiamente, mesmo nas regiões onde predomina a vegetação de porte baixo, como o Cerrado, ou, então, as gramíneas nativas, como o Pantanal, a Natureza tratou de proteger a calha dos cursos d’água com uma faixa de vegetação mais alta e mais encorpada, chamada “mata ciliar”. Recebe esta denominação porque protege as águas e o leito dos rios das impurezas trazidas pelas enxurradas, como os cílios protegem os nossos olhos.

Ao retirar as variadas espécies que compõem a vegetação nativa, desnudando o solo, seja para a expansão ou implantação de novos núcleos urbanos, seja para a exploração mineral, seja, ainda, para a implantação em larga escala de monoculturas -- especialmente as de ciclo curto como o arroz, a soja, o milho, o algodão, o sorgo e o girassol, entre outras que exigem a constante movimentação do solo com pesadas máquinas agrícolas --, tudo isto muda radicalmente as condições naturais.

Altera-se, por conseqüência, os percentuais referentes à destinação das águas das chuvas, de tal sorte que apenas uma parte mínima acaba penetrando no solo. A maior parte escorre para o leito dos rios, arrastando junto dejetos urbanos, produtos químicos utilizados na mineração -- como o mercúrio empregado para amalgamar o ouro --, arrastando, sobretudo, imensas quantidades de solo agrícola lixiviado e outras impurezas, entre as quais herbicidas e pesticidas utilizados nas lavouras.

Com as condições naturais alteradas, apenas um pequena parte da chuva vai para os lençóis subterrâneos. Isto acaba resultando, primeiro, na redução e, depois, no total esgotamento das nascentes formadoras dos córregos que alimentam os rios na fase mais seca do ano.

Alteradas as condições originais, estabelece-se, portanto, uma previsível alternância de desastres ambientais. Embora os índices de precipitação de chuvas permaneçam praticamente os mesmos, no período chuvoso do ano as águas transbordam dos leito -- rasos -- dos rios, provocando inundações de áreas cada vez mais extensas e, na estiagem, o volume de água vai-se reduzindo até tornar intermitentes rios antes caudalosos e perenes.

No caso do Cuiabá, o quadro é agravado porque o rio corta uma área de baixíssima declividade, o Pantanal, ficando depositado em sua foz todo material lixiviado nos 89.000 km² de sua bacia hidrográfica.

Foi este o processo que resultou no completo assoreamento do Baixo Taquari, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, e é este mesmo processo que está provocando a lenta agonia do Cuiabá -- mesma situação observada, em maior ou menor grau, na maioria dos rios em todos os quadrantes do território mato-grossense.

...

Texto originalmente publicado na edição de n° 2 da revista RDM -- de outubro de 1999, com infográfico de Marco Antonio Raimundo.

  

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