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RELEITURA

O STF e os promotores
01/01/2007 - O Estado de S.Paulo

Ao julgar um pedido de foro privilegiado formulado por uma prefeita fluminense que está sendo processada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por crime de improbidade administrativa, o relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, tomou uma iniciativa polêmica. Em vez de se limitar a acolher ou rejeitar o recurso, ele aproveitou a ocasião para acusar alguns promotores e procuradores de utilizar prerrogativas funcionais e desvirtuar o princípio da moralidade com o objetivo de fazer política partidária e defender interesses pessoais e corporativos.

As acusações são graves. Segundo Mendes, de cada dez denúncias de improbidade administrativa levadas ao STF pelos Ministérios Públicos federal e estaduais contra prefeitos, governadores, secretários de Estado, ministros e dirigentes de autarquias, oito são consideradas ineptas pela corte. Ou seja, são recusadas por falta de provas e de base legal.

¨A história da ação de improbidade é também uma história de improbidades¨, diz o ministro.

Como trabalhou quinze anos na Procuradoria-Geral da República, onde ingressou por concurso público em 1º lugar, ele é insuspeito para criticar o que chamou de ¨utilização espúria¨ das ações de improbidade por seus antigos colegas.

Em seu relatório, Mendes lembrou o caso da procuradora Walquíria Quixadá, que, por não ter obtido os lucros que imaginava em aplicações de risco no mercado financeiro, ¨teria usado procedimentos investigatórios e ações de improbidade administrativa como ação de cobrança de caráter particular¨, coagindo gerentes de bancos, e distribuído e-mails a outros procuradores, estimulando-os a formar um grupo com o objetivo de ¨definir estratégias para recuperação do prejuízo indevido¨. Como não obteve sucesso com a coação, o grupo decidiu acionar a principal autoridade monetária do País.

¨É algo peculiar, como se pode ver. Um presidente do Banco Central passou a responder a quatro ações de improbidade pela simples razão de ter supostamente afetado, com alguma decisão administrativa de sua competência, a rica poupança da dra. Walquíria e de seus ilustres colegas¨, disse o ministro Gilmar Mendes.

No mesmo relatório, Mendes também acusa dois outros conhecidos procuradores da República, Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb, de terem desvirtuado sistematicamente as ações de improbidade administrativa durante o governo Fernando Henrique, com o deliberado objetivo de fazer política partidária. Numa das ações lembradas pelo ministro Gilmar Mendes, os dois procuradores pediram, sem base legal, a suspensão dos direitos políticos dos ministros do Planejamento e da Agricultura, por terem autorizado a contratação temporária de profissionais especializados em defesa agropecuária.

¨Sob o pretexto de impugnar atos administrativos praticados em razão de um dever funcional de ministros de Estado, busca-se a radical condenação de tais autoridades por ato de improbidade, com a sanção extrema da perda de cargo público e de direitos políticos. Buscam alcançar, desse modo, o que não alcançariam com as ações civis ou com as ações penais, qual seja, a execração pública dos auxiliares do presidente da República¨, disse Mendes, ao acusar Luiz Francisco e Schelb. O primeiro também foi denunciado por ter escrito peças processuais contra um banco no computador dos adversários da instituição. E o segundo teria usado suas prerrogativas funcionais para obter patrocínio de empresas por ele investigadas para a publicação de sua autoria.

Como as críticas do ministro Gilmar Mendes foram feitas numa sessão do STF realizada às vésperas do Natal, elas passaram despercebidas da imprensa, tendo sido noticiadas apenas pelo site Consultor Jurídico. Embora magistrados e promotores sejam conhecidos há muito tempo por manter relações institucionais tensas, principalmente depois que a Constituição de 88 concedeu autonomia funcional ao Ministério Público, este caso extrapola os limites de uma simples rivalidade corporativa. O que ele suscita, acima de tudo, é uma discussão no sentido de saber se o órgão está à altura das prerrogativas que recebeu e se seus dirigentes vêm tomando providências para coibir abusos cometidos por alguns procuradores.

  

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