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comTEXTO : 31 de Março, 1964
O dia do golpe
08/11/2005- Talvani Guedes da Fonseca
CAPÍTULO L
Como num ato calculado, ela se movimentava à frente dele, provocava-o tateando a parede, alterada, e, aguçada pelo desejo, engatinhando na sombra como uma felina, puxava-o e quando o abraçou no espaço apertado e estreito, quente e abafado do quarto, o máximo que poderia ter de privacidade, ele desabou sobre ele, que sentiu deslizar o suor do seu corpo por sua pele.
Escorregando-se até quase dentro dela, ouviu-a dizer mais de uma vez, ¨vem rápido, acalma esse vulcão! Sou uma mulher carente, vem, acaba logo, destrua esse furor uterino rói por dentro¨, arfava, seminua, e com muita ansiedade repetia sem cerimônia que ele sabia exatamente o que ela queria: ¨Uma mulher tem necessidades¨.
Relutava.
Nunca vira mulher agir daquele modo, mas mesmo não tendo passado por uma experiência como aquela, não dava mais para resistir ao apelo, porque, tentando fazer a diferença, Sarita conduzia-o, mandou-o deitar-se no colchonete e aí, de vez, faminta, foi para cima dele, ávida, beijou-o na boca, ele tremia com as mãos cheias dos seios bem levantados, mornos e trêmulos de Sarita, e a partir daí cada novo movimento era mais ousado que o anterior, já não parecia tão impossível lançar-se ao prazer, tê-la nos braços, aperta-la, beijá-la.
Num instante foi ela quem venceu a barreira, se entregou à intimidade do cio, acabaram se envolvendo, e assim o adolescente, arfando, esqueceu-se dos outros como se não controlasse a emoção, o tempo se arrastara, lento, e o desejo deixara de ser seu, era só dela.
Sarita transformara-se, começou a arriar-lhe a calça, com tanta ânsia que mal deitou, despencou e sob ele revelou-se cio total, os anseios da condição humana a toda prova em suores derramados, pernas e braços abertos, Sarita pronta para recebê-lo, arreganhada num compasso escancarado.
Depois, montou-se nele e com a força dos quadris e das coxas atracou-o, enroscando-se no seu corpo juvenil.
Moviam-se de maneira harmoniosa, ele dizia ¨está ótimo¨, suspensa toda sobre as ancas, empurrava-se para baixo, enfiava-se mais nele que, ainda surpreso e despreparado, quase que de maneira forçada, só observava, perplexo ao testemunhar a explosão do princípio ígneo do instinto do sexo, a fascinante natureza animalesca de Sarita, que progredia lentamente e se tornava uma pessoa completa, integral, ela era o que queria, a plenitude do prazer, enquanto ele só queria a realização de seus impulsos e desejos, agora temia que se tivesse que seguir naquele ritmo, chegaria ao amanhecer sem ter gozado. Para superar a tensão, ela abrira as pernas, e mais, ergueu-as, abertas para o ar, puxando-o para dentro, ao centro das suas coxas quentes e suadas, introduzindo-o num solavanco desesperado de corpo e alma dentro dela.
Agitado por não conseguir liberar a criatividade reprimida, sem saber ao certo como fora parar ali disse, irritou-se com um contratempo inapropriado, esperava que fosse apenas temporário, mas a ereção que parara e não sabia por quê, talvez pela compreensível razão da presença dos dois companheiros no apartamento, na dúvida de que ao menos um deles, o dirigente, talvez quisesse compartilhar.
Não totalmente assumido, temendo o fracasso, em dúvida sobre se teria habilidade para satisfaze-la, aconteceu:
¨O quê foi?¨
¨Não consigo, brochei¨.
¨Isso não é incomum, acontece com qualquer um¨.
¨Sinto-me ridículo, mas é que eu nunca fui disso, comer uma mulher na frente dos outros, com gente perto!¨, disse, e precisava da explicação não para compensar a disfunção. Dependente da vontade dela, nada o faria desviar-se do seu propósito, queria mais, só amasso não era suficiente, tinha que comê-la, mas, implicava na sua cabeça a pergunta:
¨E se também eles a quisessem comer?¨
Não haveria mulher suficiente para todos e sem coragem para comentar essa preocupação com ela, com pudor e timidez, disse apenas:
¨Eles não são insensíveis, Sarita; assim vamos importuná-los¨.
Ela mudara o tom da voz, não mais andava.
Pedia:
¨Se você não me comer eu vou me zangar muito, menino¨, disse ela, soltando faísca no olhar azul, e como que para compensar a decepção causada pela disfunção sugeriu que não se esforçasse:
¨Por quê você não relaxa? É um erro dar saltos, assim você vai chegar no final sem perceber que estava dentro de mim. Para aprender, você tem que passar por tudo o que é necessário, além do tempo. Vem dorme um pouco, relaxe, nós podemos resolver isso, acalme-se que eles estão dormindo lá dentro, nenhum deles virá aqui, fique relaxado´, e disse, ¨eu quero educá-lo, mesmo¨.
Acariciava-lhe o cabelo, ria e comentava;
¨Eles vão dizer que eu embebedei e seduzi você¨.
¨Eu já estava meio bêbado, antes de lhe conhecer¨, respondeu.
Entre um murmúrio e uma artimanha, mordiscando-lhe com a ponta dos lábios o lóbulo da orelha, Sarita se empenhava mais, começava a mostrar-lhe como e o que ele tinha que fazer, mas ainda não chegara a hora e, na continuação dos preparativos para acasalar, Sarita parecia se importar apenas consigo mesma, brincava com seu corpo, ele vendo o prazer prestes a tornar-se dor.
Quando ficaram finalmente fisicamente íntimos, ele ejaculou na pele da coxa de Sarita, sem querer e assim, exalado o odor de sexo no espaço abafado do quarto quente e apertado, nada mais fazia diferença.
Imprevisível, Sarita mostrava o próximo passo, demonstrava enorme apetite sexual, mamou, lambeu-lhe os mamilos e, passando a mão para dentro da calça, espalmou-a, apalpou o pênis, ainda meio mole, porém vivo, pronto para despertar, e, alisando-o, friccionando-o, esfregando-o ao redor dos lábios vaginais, lubrificou-o com o seu líquido mais íntimo, subiu e desceu, fê-lo crescer de tamanho, ficar mais duro e pulsar mais, enfeitiçando-o, estimulo espetacular para mais uma ereção.
Nesse ponto, vulnerável, o impulso sexual superou todos os cuidados tidos, nada importava mais.
Fossem quais fossem os seus pensamentos, enfim achou ter equiparado seu prazer ao dela e se libertando das limitações, entregou-se à força vinda dela, de dentro para fora, na mais concisa e excitante das linguagens, a iniciativa feminina, abandonado-se em seguida à uma sucessão contínua de ejaculações.
Tudo era diferente de tudo o que já tinha feito, uma energia descera até Sarita e ela explorou-o, tirou proveito do seu prazer até despencar sobre seu corpo jovem e desfrutá-lo, esparramada; ao se achar pronta, afastou as pernas, arreganhou-se toda, apertou-o nos ombros, nádegas, descontrolada, convulsivamente, fêz-se penetrar, iniciando desenfreada cópula, barulhenta, não de parte à parte, somente dela, e, por um canal estreito, apertado, em contrações múltiplas, o pênis deslizou por inteiro dentro dela, foi quase até o útero, e pela primeira vez, enquanto ela se contorcia, esbaforida, ele via um terreno inexplorado, o corpo nu de mulher; e via também outra Sarita que havia, uma que era um pouco gorda, que tinha uma barriga flácida, que inflava e tremia na altura da cicatriz horizontal de um palmo e meio, resultado de cirurgia abdominal, de duas cesarianas, e parecia até mais voluptuoso o sobressaltado, seu busto.
Das outras vezes em que fizera amor, em que penetrara uma mulher, seu primeiro objetivo sempre fora gozar, ejacular.
Agora, apenas gozava e pronto, terminava, entretanto, agora, com os olhos cheios de Sarita, totalmente dominado por ela, não conseguia entender como pôde passar tanto tempo sem saber que a mulher podia ser tão plena, sem perceber sua luz, real, poderosa, a luz que dá a vida.
Era como se Sarita tivesse se libertado de algo, o ego desaparecesse por uma força física capaz de soltá-la de todas as amarras, fazendo-se vácuo ela mesma, elevando-se num nível de consciência transcendente, no momento fugaz do corpo material, o orgasmo, a apoteose da mulher entre quatro paredes, um mistério que ele desconhecia, a exclusiva realidade e deleite só possível no egoísmo absoluto dela, ao gozar.
¨Só é orgasmo se for simultâneo¨, disse depois, aconchegando-se mais, a palpitar energia impressionante em todo o corpo, numa transbordante e concisa simplicidade.
Interceptando-o para que não gozasse antes dela, e ele, atacado por todos os lados, docemente rendeu-se e experimentou uma sensação nova, de macho, vendo-a gritar de dor e prazer, alternando-se numa outra dimensão, integrada nos seres animal e racional; ela era só dor e prazer ou a maior de todas as dores, a essência viva desse fenômeno chamada natureza feminina, e, com toda emoção, num impulso incontrolável, fisicamente liberta, solta, fez deles não seres separados, pulsava integrados, porém, a dualidade do ato era dela, só sua, única, uma unidade de vida no centro de tudo, do universo e superior ao prazer e a dor, os orgasmos que a jogavam para o alto, ela mal respirava, só gemia soluços selvagens, tão altos que poderiam ter acordado o prédio, e nem assim ninguém foi ao quarto da empregada para ver, nenhum dos companheiros apareceu, e ele pensara ter visto, ainda quando estava na sala, aparecer um rosto na porta do corredor.
O êxtase de sentir-se desejado era a grande novidade. Até bem pouco tempo católico praticante, nunca se soltara tanto.
Aplicava inconscientemente e contra a vontade, o que a igreja pregava, o desinteresse pelo sexo antes do casamento, fundado numa instituição chamada família, tudo limitando a um processo que proibia a satisfação feminina, onde o orgasmo não era necessário. Sempre o desagradara pagar prostitutas, entretanto às vezes lembrava com saudade dos favores sexuais que prestava no ¨quarteirão das piniqueiras¨, no bairro do Tirol, quando saía à caça de empregadas domésticas, na verdade, aproveitava-se com sensibilidade neutra, sexualmente, da solidão furtiva daquelas mulheres, em geral vindas do interior, que viviam longe dos familiares, sonhando com um pouco de amor, atrás do muro alto da Casa de Saúde São Lucas ou na areia do campo do Cruzeiro, onde tudo o que se fazia era muito rápido. Restrita à dimensão física, a relação homem mulher era outra, sem poesia, sem diversão, de amor insosso. Deitava com elas mecanicamente sem dar de si o máximo, como um perfeito idiota, sem demonstrar emoção em relacionamentos que só eram desgastes físicos e nada mais, às vezes incomodado pelas formigas no capim, pela areia que penetrava na virilha, até na glande, e no seu caso era quase sempre a mesma, uma mulher morena, forte, de Macaíba, com idade de ser sua mãe. De certo modo invertiam-se os papéis, com a única diferença de que, agora, mesmo sendo usado, sentia grande prazer isso, enquanto elas, não. E tudo o que queriam era um pouco de amor e carinho, mas nunca tiveram isso, nem da parte dele nem de outros rapazes do bairro.
Há meses não comia uma mulher, pagara à última, uma magrinha, em Rita Loira, cabaré atrás do Aéreo Clube, em Natal, lançou-se todo dentro dela, outra vez, e mais outra, sacudiam-se, até que ela, totalmente exausta, tremendo de orgasmo, refastelou-se no colchonete que virara uma poça de suor, e o silêncio tomou conta da noite quando ele caiu ao seu lado, morto de cansaço.
Nunca tinha ouvido uma mulher gritar de prazer, impressionou-se.
Se antes usava, servia-se delas, fora usado pela primeira vez por Sarita, a primeira mulher que viu de bem com a vida, depois de gozar, de se exceder, e aquela seria a foda que merecia para sempre ser lembrada.
¨Há quanto tempo você não tem mulher?¨
Embora não gostasse de falar a respeito desse assunto, respondeu:
¨Poucas¨.
¨Quantas¨?
¨Umas quatro, fora as vezes em que fui à zona; quer dizer, cabarés lá de Natal, uma vez e Maria Boa e a outra, e Rita Loira. Ah!, também fui no Arpege¨.
¨Não há nenhum risco para mim?¨
¨De quê? Blenorragia? Claro que não, estou limpo, nunca fui à zona com rola nua, sempre usei camisa de Vênus; depois, faz tempo que fui lá...¨
E começou tudo, outra vez.
¨Será bom para você esquecer seus problemas¨, disse Sarita, pondo-se displicentemente sobre ele, enfiando-se outra vez e prosseguindo, subindo e descendo, dizendo sem sutileza que gostava de fazer amor da maneira mais incrível, de costas, de quatro, não no ânus, na vagina mesmo e isso foi apenas o início de outro mais longo e estridente orgasmo.
Realizava todas as suas ambições de sexo numa noite, subjugado por Sarita, sentindo prazer em ver que havia nela um estado de sofrimento, e em saber que se dor houvesse seria só dela, da natureza feminina; sentia um prazer que não tinha o mesmo nível de significado para ele, que era de absoluto egoísmo o prazer sentido e transmitido por Sarita em seus seguidos orgasmos.
Não era alegria o que ele via.
Enquanto o corpo doía, Sarita levara a consciência para outro nível e ainda assim, gemia, parecia estar sofrendo, mas sua mente estava em outro plano. Admirara-a pelo belo desempenho de fêmea durante todo surpreendente ato, não sabia que uma mulher pudesse ter tanta energia interior.
¨Eu sabia que hoje tinha que fazer amor¨, dissera ela, revelando uma atração animal, ¨só pensava nisso, desde que me avisaram do golpe; sonhei ontem que me estupravam, eram dois homens¨.
Pondo-se por cima, montando-o, subia e descia bem devagar, cheirava-o no pescoço, atrás da orelha, ela sabia de tudo, como se mexer controlada ou descontroladamente, os seios nus balançavam e ele nunca pensara que uma mulher fizesse sexo daquela forma.
No gozo ela deixou transparecer fragilidade, estava acabada, cansada, disse que doíam os músculos internos das coxas, do ombro, e, depois de descansar, perguntou, ao recuperar o fôlego:
¨E o que você sentiu?¨
¨Agora? Gozei mais de uma vez!¨
¨Não, agora, no sonho, com dois homens¨.
¨Vários orgasmos¨, arfava, falando, ¨como agora, desde que vi você, vi que não podia perder a chance¨.
A altas horas da noite, no silêncio que fazia lá fora, alguém passou num carro em disparada na rua, disparou alguns tiros para o ar e gritou.
´Vencemos!¨
Findo o coito, ele caiu no incômodo fosso da indiferença, o encanto passara.
Sem possibilidade física de recomeçar, voltando a si, revelou toda a sua ingenuidade:
¨Me permite perguntar algo? Quantos anos você tem?¨
¨Quer saber mesmo? Dez... a mais que você¨.
¨Pare de chorar¨, disse, vendo que Sarita soluçava, ¨você é um pouco velha para mim, mas isso não quer dizer nada¨.
¨Pouco velha, é? E quem foi que fez você gozar feito um tarado, gemer e despejar jatos e mais jatos de esperma dentro de mim? Eu sei o que o fez sua, e vou dizer mais uma coisa, que não sou desenhista, projetista, nada disso, minha área no Partido é outra, já fui casada com um companheiro, agora tenho minha vida, uma filha, um cachorrinho... E você, assim espero. Eu trabalho com o grupo que está escrevendo A História nova do Brasil, desconstruindo a história oficial para entender a verdadeira¨.
¨Por quê estava chorando?¨
¨Fiquei triste, de repente¨.
Amar uma mulher, depois de Sarita, nunca seria o mesmo.
...
Leia amanhã o último Capítulo
Jornalista, escritor e poeta norte-rio-grandense
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