Fôlego curto 02/10/2015
- MERVAL PEREIRA - O GLOBO
Não é possível mais dizer que a presidente Dilma está apática diante da crise em que se meteu e ao país, mas a reação que esboça só faz afundar mais ainda seu governo de coalizão em um lamaçal político que não pode ser a solução a lhe dar tranquilidade para governar.
O PMDB, no entanto, ao mais uma vez ceder a seu lado fisiológico, se coloca como avalista da continuidade do governo e retira-se, inglório, do campo oposicionista em que parecia estar alojado, especialmente depois daquela propaganda televisiva em que defendia que só a verdade liberta.
Mesmo depois de constatar mais uma vez que o PSD de Kassab pode ser acionado a qualquer momento para tentar fragilizá-lo, o PMDB prefere o regaço governamental à aventura do impeachment.
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Se o fizesse por defender a democracia, vá lá.
Mas abandona as negociações de bastidores na ilusão de que pode usufruir do governo mais um pouco, até que se deem as condições naturais para a troca de guarda na presidência da República.
É de seu feitio não resistir às tentações de momento em vez de pensar no longo prazo.
Aceitando os sete ministérios, o PMDB convalida a reforma ministerial e dá razão aos que, na oposição, não o levam a sério para um eventual governo de coalizão nacional num pós-Dilma.
Dando esse passo, o PMDB reforça os laços com o PT e dá à presidente Dilma necessariamente um fôlego a mais para essa difícil travessia, que a qualquer momento pode ser interrompida, seja pela derrubada de um veto presidencial, seja pela não aprovação da CPMF, ou então pelas ondas da Operação Lava-Jato que podem engolfar de uma vez só a cúpula partidária.
Com as novas denúncias contra Eduardo Cunha, e a confirmação pelo Procurador-Geral da República de que ele tem, segundo a polícia, suíça, contas não declaradas naquele país, fica impossível tê-lo no comando da Câmara, aumentando a imprevisibilidade do quadro político em relação ao PMDB.
Seguindo os conselhos de seu tutor Lula, a presidente Dilma livrou-se de Mercadante no Palácio do Planalto e tenta criar um clima mais ameno com o bom baiano Jacques Wagner.
Sem dúvida, conseguiu abrir um espaço de respiro na semana mesma em que o Tribunal de Contas da União (TCU) deve começar a examinar o parecer do ministro Antonio Nardes que condena as contas do último ano do governo Dilma, caminho legal para basear o pedido de impeachment.
Muitas manobras ainda se seguirão até que o Congresso se decida a analisar o documento, até mesmo a tentativa, até agora inútil, de adiar o julgamento das contas no próprio Tribunal.
Revigorada momentaneamente através de manobras políticas que acabam por enfraquecê-la no longo prazo, Dilma tenta ganhar tempo, mas a crise econômica não dá mostras de que arrefecerá.
A testemunha
O advogado Sergio Mazzillo explica a situação de testemunha em que Lula se encontrará se o ministro Teori Zavascki autorizar que seja ouvido pela Polícia Federal, o que já foi admitido pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot:
“A testemunha, no cível ou no crime, ou em qualquer processo, ainda que administrativo, dá testemunho sobre o fato de terceiro, alheio; não comenta, não opina, apenas relata o fato de seu conhecimento;
- Testemunha é obrigada a dizer a verdade, sob pena de falso testemunho (Código Penal, artigo 342; Código de Processo Civil, artigo 415); é bem verdade que, no processo, no inquérito, o falso testemunho raras vezes é punido, pois existe a possibilidade da retratação;
- Testemunha é obrigada a responder o que lhe for perguntado; a recusa só se justifica se a testemunha desconhecer o fato;
- E, lógico, testemunha que não responde à inquirição por, eventualmente, existir a possibilidade de sua própria incriminação, deixa de ser testemunha e pode invocar o seu direito ao silêncio, para não incriminar-se (Constituição, artigo 5º., inciso LXIII; por interpretação do Supremo Tribunal Federal, pois o texto constitucional refere-se ao “ preso ” ).
Portanto, o compromisso da testemunha para dizer a verdade, implica, necessariamente, a obrigação de responder o que sabe.
Sabendo a testemunha do fato, mas reconhecendo que se responder poderá incriminar-se, deve ficar em silêncio.
E assumir as consequências de seu ato: passar a investigado (com direito ao silêncio).
Por certo, a situação da testemunha que se cala para evitar incriminar-se é desconfortável e, certamente, lhe criará problemas.