Segundo governo Dilma acaba, mas crise continua 02/10/2015
- IGOR GIELOW
O governo que tomou posse em 1º de janeiro acabou na manhã desta sexta (2), 275 dias depois de começado.
Dilma Rousseff ainda é nominalmente a presidente, mas a sucessão de erros do Planalto e o agravamento da crise político-econômica deu à luz uma criatura híbrida: a cabeça de Luiz Inácio Lula da Silva voltou a mandar no Planalto, o varejo da Esplanada foi dado de vez ao PMDB.
A principal dúvida é sobre a eficácia do arranjo. Seu objetivo primeiro, travar a abertura de um processo de impeachment contra Dilma pela Câmara dos Deputados, teoricamente pode ser atendido se os 2/3 do PMDB na Casa cooptados com a suculenta pasta da Saúde e outros penduricalhos se contentarem com a fatura paga.
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Mesmo isso é duvidoso, dado que a engrenagem do impeachment já está acionada e pode ser acelerada ou não por um personagem central na narrativa política de 2015: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Alvejado mortalmente pela divulgação de suas contas na Suíça, Cunha tornou-se um animal ferido; logo, mais imprevisível e perigoso.
Tanto é assim que o Planalto, que discretamente comemora a derrocada de desafeto mais biliar, lhe concedeu uma pasta na reforma -- Ciência e Tecnologia, a ser assumido pelo homem chamado de "pau mandado" do deputado fluminense.
Por quê?
Porque Cunha pode sobreviver tempo suficiente no cargo para causar danos ao governo. Ele tem o botão do impeachment à mão, e só faltam alguns elementos para ele ser apertado.
O parecer do TCU rejeitando as contas de Dilma, que deverá ser aprovado e servir para ensejar condenação efetiva pelo Congresso, é o fator mais imediato pelo qual a oposição espera.
Novamente: talvez os 2/3 do PMDB da Câmara segurem essa onda.
Aí Dilma ganha sobrevida para enfrentar seu maior desafio: a crise econômica.
Não será nada simples.
Acreditar que o Congresso vai assumir para si a impopular ideia de recriar a CPMF é, hoje, um exercício de otimismo.
As medidas administrativas que Dilma anunciou nesta manhã seriam salutares em qualquer momento, como a redução simbólica de cargos comissionados e de mamatas como os voos em primeira classe.
Cortar salário de ministro pega bem, mas só.
COSMÉTICO
Tudo isso é cosmético do ponto de vista de contas públicas, que enfrentam uma trajetória explosiva, assim como a redução de oito ministérios -- mesmo a meta de dez pastas foi barrada pela realidade no Congresso.
Além disso, há um embuste: no caso das pastas aglutinadoras (Trabalho/Previdência e das áreas sociais), a criação dos "supersecretários" basicamente prevê a existência da mesma estrutura com apenas um ministro titular.
Como é praxe na administração pública brasileira, sempre há espaço para a piada pronta: as medidas foram coroadas por um fetiche burocratizante: a criação de um grupo de trabalho, no caso a tal comissão sobre reforma do Estado.
Assim, o ritual de posse do novo-velho governo deverá ganhar algum tempo ao Planalto, mas é altamente incerto o destino dele.
Até aqui, não estão dadas as condições para uma recuperação baseada em medidas duras que desaguem na retomada de confiança pelos agentes econômicos, e essa parece ser a régua que medirá as chances de Dilma permanecer na cadeira.