O Brasil na bolha do jeca 06/10/2015
- Vinicius Torres Freire - Folha de S.Paulo
A gente olha pela janela e vê, lá longe, a notícia de que um monte de países, grandes parceiros do Brasil, fechou acordo para facilitar o comércio.
A gente olha para o umbigo e mal consegue enxergá-lo, tamanha a névoa de crises, como a da mixórdia político-jurídica do impeachment.
Parece, pois, exótico, coisa de outro mundo, tratar da Parceria Transpacífico, o acordo assinado entre EUA, Japão, Canadá, México, Chile, Peru, Austrália, Nova Zelândia, Cingapura, Malásia, Vietnã e Brunei.
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Transpacífico?
E daí?
Um quarto do comércio do Brasil é feito com os países que assinaram esse acordo; um terço das nossas exportações vai para lá.
Esse tratado facilita o comércio entre eles porque uniformiza regras de produção (trabalhistas, ambientais, entre muitas outras), abre mercados para certos produtos etc.
Em vez de comerciar com o Brasil, fica mais fácil (barato, seguro) comerciar entre eles.
É grande o risco de perdermos mais mercados.
Além do mais, a facilitação do comércio vai influenciar decisões de investimento de grandes empresas (talvez até brasileiras), pois o nosso grande e ora prejudicado mercado doméstico pode não ser motivo bastante para contrabalançar os custos do nosso isolamento comercial.
Ainda muito importante, o acordo Transpacífico e tantos outros que vêm sendo fechados criam padrões básicos, condições de comércio que se tornam itens elementares de qualquer tratado.
Como o Brasil não participa dessas tratativas, se e quando tentar fazê-lo, vai chegar atrasado e terá de dançar conforme a música já escolhida por outros.
Por aqui, não anda nem mesmo o acordo de livre-comércio de carros com a Argentina, firmado faz um quarto de século e emendado por 41 (sic) protocolos adicionais de enrolação.
Desde 1999, o Brasil (Mercosul) enrola com a União Europeia um acordo comercial geral.
Talvez neste ano Mercosul e UE troquem propostas firmes de negociação, espera-se, muito.
Mas, no fim das contas, a gente mal sabe o que está fazendo.
Para começar, não temos nem boa política econômica de curto prazo (inflação e contas públicas em ordem, crescimento econômico regular).
Faz mais de década, nosso projeto comercial é protecionismo mal disfarçado e acomodação de maluquices da Argentina kirchnerista, às quais em parte aderimos desde Dilma 1.
Na região, no mais, o grande projeto foi subsidiar empreitadas em países vizinhos, via BNDES, e, na prancheta doidivanas, há coisas como o Trem do Peru, a ferrovia que iria do meião do Brasil ao Pacífico, via Amazônia e Andes.
A gente não consegue nem fazer trem no sertão da Bahia ou metrô e variantes de bonde, como na São Paulo de Geraldo Alckmin.
Mas tem essa mania "geopolítica" de Trem do Peru, coisa de país pobre delirante.
Dilma fez política de conteúdo nacional genérica e equivocada (compras obrigatórias de produtos nacionais mais caros, por exemplo, o que ajudou a arruinar a Petrobras e criou um nicho fértil de corrupção).
Enfim, criou mais barreiras de proteção de uma das indústrias mais ninadas do mundo, as montadoras de carros, entre outras.
Mas mesmo boa parte da indústria é contra essa solução do jeca.
Além de nos estranharmos aqui dentro, estamos alienados do mundo.