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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Pornopolítica
13/10/2015 - Blog de Arnaldo Jabor - O GLOBO

Tenho escrito muito sobre a pornopolítica brasileira. Que relação tem ela com os filmes verdadeiramente pornográficos?

Atualmente, come-se o Brasil como se comem as atrizes pornô. No filme pornô não se esconde nada, é tudo explícito.

Os neocorruptos políticos de hoje também são explícitos. Os crimes políticos são cometidos sem culpa, como nos filmes pornográficos.


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Ninguém se envergonha mais de nada. O filme pornô estende sua luz para nos ajudar a entender o Brasil.

Na internet, na TVs, há uma grande congestão de putaria.

Nunca se viu tanta sacanagem, no sexo e na política.

Os filmes pornô são uma grande indústria que hoje movimenta bilhões de dólares.

Tem até Oscar de filme pornô.

Este ano houve grandes premiados em uma festa iluminada: “Bunda 2”, “Elas Preferem Anal”, “Bocas Gulosas”, “Boneca Tarada” e “A Bunda Manda e o Bundão Obedece”.

A política também movimenta bilhões com bocas gulosas e mãos grandes para desconstruir nossa indústria.

Há um grande despertar de pornografia e de corrupção não só no Brasil, mas no mundo todo.

Creio que é resultado da urgência de compensações de prazer e poder diante da vida desolada que se dilui em tragédias e óperas bufas.

O despudor é fruto de uma aceleração do tempo também.

Não dá mais tempo para a honestidade, não há mais tempo para o amor.

O amor não se vê, a pornografia sim.

O amor idealizado acabou; a sexualidade é mais imediata.

Ninguém se masturba por amor.

O filme pornô aspira à visibilidade total dos corpos.

Na política atual há a visibilidade total de todos os malfeitos e nada acontece, pois nada acontece e nada aconteceu.

Nada prova nada.

A visibilidade é cada vez maior e diante dela lamentamos nossa impotência.

A política aspira à mentira e o filme pornô busca a verdade absoluta do sexo.

Até onde pode ir o prazer?

Como atingir o orgasmo absoluto?

Um orgasmo que explique o mundo.

A pornopolítica explora nossas fantasias populistas, a pornografia programa nossos desejos secretos.

Antigamente, as masturbações eram literárias, exigiam imaginação do doce punheteiro e muito contribuíram para a literatura nacional; hoje a masturbação é parte de um “stream” digital que programa nossos desejos.

O filme pornô faz tudo visível, nada se nega, tudo se exibe para ocultar com os corpos nus a fragilidade de suas vidas.

O filme pornô quer nos mostrar o impossível -- os atores nos mostram tudo, até o interior de suas vaginas e anus, só não mostram seus medos.

Mostram tudo para não mostrar nada.

Já no Brasil, a política prova que o impossível acontece, como por exemplo destruir a maior empresa do país num recorde mundial de roubalheiras.

Na pornografia há ausência de pecado ou de culpa; na corrupção também -- ninguém tem culpa, ninguém fez nada, ninguém sabe de nada.

Antes, a pornografia era vista secretamente, pelos cantos escuros; hoje a pornografia é uma luz geral que nos cega.

Em meio a tantas frustrações populares, a pornografia é um consolo.

A pornografia estimula; a política deprime.

No pornô ninguém tem vergonha; em Brasília também não.

A pornografia sempre houve; em Pompeia vi bordeis de mil anos.

Mas a pornografia não muda só no tempo -- muda no espaço.

A pornografia é geopolítica.

A pornografia norte-americana é muito diferente da brasileira.

Uma vez perguntei a um produtor de sacanagem: qual a diferença entre o pornô norte-americano e o pornô brasileiro?

Ele sentenciou: a fome.

O filme americano mostra o sexo como luxo, como um excesso de civilização e de liberdade.

No pornô brasileiro não há excesso -- só carência.

As mulheres parecem vítimas, sacrificadas com tristes gemidos.

Os atores norte-americanos trabalham por um prazer perverso; os atores brasileiros por um prato de comida.

O pornô brasileiro é social, é político.

O pornô norte-americano é existencial.

Nos pornôs brasileiros não há "decor".

Tudo se passa em quartos tristes, sofás rasgados e apartamentos sem pintura.

O norte-americano brilha em luxuosos bordéis.

Mas, afinal, o filme pornô é documentário ou ficção?

Os atores trepam na ficção.

Mas o filme pornô, mesmo quando encena uma ficção, é um documentário.

Ali, nada é mentira, e tudo o é.

O filme pornô é contra o cinema psicológico; quem evolui dramaticamente é o espectador, até o clímax.

O filme pornô não tem história, enredo, como os filmes de vanguarda, mas fazem sucesso de publico.

O filme pornô não tem começo nem fim – só tem o meio.

O filme pornô não tem alegorias e simbolismos.

Um pau não sugere um poder “fálico”, um sonho de fertilidade.

Um pau é um pau é um pau.

O filme erótico “soft core” é hipócrita.

O “hard core” é realista e corajoso.

A única diferença entre os dois é: há ou não há penetração?

O filme pornô provoca inveja do pênis; em vez de ver a cena, somos humilhados pelos pirocões gigantes.

Os filmes pornô ostentam uma liberdade intolerável que ninguém tem.

O filme pornô não deixa nada a desejar.

Os orgasmos são tão triunfais que nos dão angústia de morte.

Depois de vermos um filme pornô ficamos tristes.

Ficamos sozinhos, excluídos em pânica solidão, de mãos pensas.

É o vício solitário, como os padres aludiam aos punheteiros.

Com a crescente desesperança, busca-se o óbvio, a coisa pela coisa, do sim pelo sim.

Na pornopolítica como na pornografia nada é metáfora.

Pau é pau, ladrão é ladrão mesmo de cabelos pintados de acaju ou de preto.

As vezes pinta uma grande arte no pornô; no “Garganta Profunda” há um close antológico de Linda Lovelace, em que ela termina um boquete, um “blow job” em um imenso minhocão, e ergue o rosto cheio de lágrimas, na cruz de um pênis gigante, como a Falconetti em “A Paixão de Joana D’ Arc”, de Dreyer.

Em suma, a pornopolítica é ruim; a pornografia é boa.


  

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