De uns tempos para cá a política brasileira vem sendo conduzida por discursos recheados de ódios e rancores, em lugar de debates de ideias e projetos.
Não é preciso muito esforço para identificar de onde vem a maior parte desses discursos.
O juiz Sergio Moro, por exemplo, é alvo de adjetivos como justiceiro e arbitrário, pelo simples fato de que cumpre a lei e tenta punir pessoas que retiraram dinheiro de cofres públicos e transferiram para contas particulares ou para fins políticos. Numa palavra, roubo.
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Aqueles que odeiam Moro também detestam o ex-ministro Joaquim Barbosa, que garantiu a condenação dos envolvidos no caso do Mensalão.
Afinal, alguém se lembra de alguma denúncia apurada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, que tenha resultado em condenações no âmbito do Mensalão ou do Petrolão, que não tenha sido comprovada?
Nesse episódio mais recente, documentos mostram a existência de contas secretas na Suiça, bilhões de reis em prejuízos para a Petrobras, repasses a pessoas e partidos políticos e inúmeras operações fraudulentas.
Tudo isso é realidade. Mas, da maneira como reagem certas figuras ligadas ao partido do governo fica a impressão de que tudo foi inventado.
Seriam os procuradores da República, o juiz Moro, em relação à Operação Lava Jato, e os integrantes do STF, no caso do Mensalão, ficcionistas que montaram tudo isso só para prejudicar pessoas e empresas?
Seriam eles gênios do mal, empenhados em destruir as instituições da República?
É preciso ser muito cínico ou engajado para acreditar numa hipótese como essa.
Mas isso não impede alguns de nossos intelectuais continuem acreditando. Pelo menos para o público externo.
Outro alvo do ódio é a imprensa, que alguns preferem chamar de mídia, palavra sempre associada a pejorativos.
A Folha de S. Paulo, por exemplo, é colocada sob suspeita pelo simples fato de que abre espaço para todas as correntes de opinião.
Outros veículos são detestados porque, a exemplo da Folha, expõem diariamente os casos de corrupção envolvendo o governo.
Diante das reações de certos políticos, de intelectuais e até mesmo de jornalistas, fica claro que muitos gostariam que as denúncias não fossem divulgadas.
Seria melhor, para essas pessoas, que repórteres e editores praticassem autocensura.
Procuradores, juízes e jornais são alvo de frequentes manifestações de repúdio. Afinal, estão atrapalhando um projeto de governo. Ou melhor, de poder.
Mas porque defender com tanto empenho esse projeto?
A resposta, invariavelmente, é essa: porque esse governo fez "justiça social".
Aí cabe pergunta: para fazer "justiça social" é preciso roubar?
Intelectuais ligados ao PT fazem de conta que não enxergam os casos de corrupção e acusam a imprensa de oportunista e de histeria.
O ideal, para eles, é que tudo ficasse escondido ou divulgado dentro de uma linha ideológica.
Ao mesmo tempo, investem contra todos que ousam apontar os erros ou exigir o fim da corrupção.
Para esses, os rótulos – golpistas, reacionários – estão sempre prontos.
Em meio a toda a crise política, institucional e moral, a oposição se mostra totalmente despreparada.
Ora abraça propostas de impeachment ainda sem sustentação legal – na opinião de juristas como Ayres Britto e Joaquim Barbosa – ora se deixa utilizar como massa de manobra por políticos do naipe de Eduardo Cunha.
Sem discurso e sem convicção, os líderes oposicionistas também cultivam o velho hábito de se esconder em momentos decisivos.
Entre o bem-estar geral da população e a manutenção do poder, com todos os benefícios, nossos políticos sempre ficaram com a segunda opção.
Com raríssimas exceções.
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CARLOS TAQUARI, 68, é jornalista, editor-chefe do "Roda Viva", da TV Cultura, de São Paulo, e autor de "Tiranos e Tiranetes", Editora Record/Civilização Brasileira.