A metamorfose da Operação Zelotes 01/11/2015
- Elio Gaspari - Folha de S.Paulo
Em março do ano passado, quando começou, a Operação Lava Jato investigava uma rede de doleiros e sua lavanderia de dinheiro.
As prisões do operador Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, resultaram na descoberta do maior escândalo de corrupção já visto no país.
A Operação Zelotes, deflagrada em março deste ano, investigava a venda de sentenças e manobras no Conselho de Administração de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.
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Um braço das investigações levou a Polícia Federal e o Ministério Público à salsicharia onde se embalam medidas provisórias.
Se a juíza Célia Bernardes, da 10ª Vara Federal de Brasília, estiver no mesmo caminho de seu colega Sergio Moro, a Zelotes se transformará numa Serra Pelada da corrupção.
Ela foi o maior garimpo de ouro a céu aberto do mundo.
A expansão das investigações da Zelotes é uma novidade, e nos poucos passos que a juíza deu percebe-se que sabe de onde vem o cheiro do feijão. Ela associou um pleito que estava no Carf a gatos colocados em medidas provisórias.
Bingo.
À primeira vista, os pixulecos do Carf nada teriam a ver com os embutidos das medidas provisórias.
Na realidade, são uma modalidade refinada.
O recurso ao Carf paralisa a cobrança da autuação da Receita até sabe-se lá quando. Se alguém conseguir mexer na lei que ampara a autuação, o caso acaba, sem que o sonegador tenha que pagar um só centavo.
Uma medida provisória que está sendo investigada, relacionada com matéria tributária, teve 400 emendas e seu relator foi o deputado Eduardo Cunha.
Está na cadeia o ex-conselheiro José Ricardo da Silva, irmão de uma conselheira e filho de um ex-secretário-adjunto da Receita.
Na advocacia auricular que beneficiou montadoras de veículos, estava no lance Alexandre Paes dos Santos, o APS, um dos mais notórios lobistas de Brasília.
Ele também está preso.
Desde abril, conhece-se a frase do conselheiro Paulo Roberto Cortez apiedando-se dos "coitadinhos" que pagam impostos e não recorrem ao Carf:
"Quem não pode fazer acordo – não é acordo, é negociata –, se fode".
À época, o juiz que estava no caso recusou-se a prender quatro suspeitos.
CARIMBADO
Alexandre Paes dos Santos, o APS, preso em Brasília por causa das traficâncias ocorridas na gestação da medida provisória da indústria automotiva é figurinha carimbada.
Em 2001, durante o tucanato, teve sua prisão pedida pelo Ministério Público, porém ela foi negada pela Justiça.
Nessa época ainda não se popularizara a expressão "pixuleco", mas no plantel dos mimados por APS estavam parlamentares, secretárias e até o motorista de um assessor do ministro da Fazenda.
Mudaram os ventos e, em 2006, APS aproximou-se de Fábio Luis da Silva, o Lulinha.
Quando ia a Brasília, ele usava uma sala da empresa do doutor.
É dessa época o investimento da Telemar na empresa de jogos de Lulinha.
Se APS colaborar com as investigações, sua memória poderá causar um estrago em Brasília maior que o de qualquer similar da Lava Jato.
GEOPOLÍTICA
O futuro da Operação Zelotes, com sede em Brasília, permitirá uma avaliação da influência do clima da capital sobre esse tipo de trabalho.
A Lava Jato funciona em Curitiba, os parentes do juiz Moro e dos procuradores do Ministério Público não convivem com os amigos, advogados e parentes dos encarcerados.
A parentela e a rede de amizades de APS no Congresso, no Judiciário e na imprensa faria inveja a qualquer empreiteiro.
MADAME NATASHA
Madame Natasha ofereceu uma de suas bolsas de estudo ao ministro Eduardo Braga.
Num bate-boca em que o senador Ronaldo Caiado o chamava de "safado" e "bandido", ele respondia:
- Safado é Vossa Excelencia!
- Bandido é Vossa Excelência!
Natasha crê que se Braga acha Caiado uma pessoa excelente, não pode dizer esse tipo de coisas.
Se não acha, pode chamá-lo de "senhor".
PEZÃO
É muito provável que o governador Pezão, do Rio de Janeiro, saia intacto do maremoto da Lava Jato.
BEN BERNANKE
Para quem mexe com papelório ou tem curiosidade para entender crises financeiras, saíram as memórias de Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve Bank durante a crise de 2007 e 2008.
Para esse tipo de curioso, é coisa fina.
Chama-se "The Courage to Act" ("A Coragem de Agir").
Bernanke é um professor frio como cobra, honesto como um santo e tem o senso de humor de uma maçaneta.
Chega a ser chato, mas não deixa um só assunto sem explicação.
Sem nunca ter recebido um tostão da banca, é capaz de dizer que falar mal de banqueiros não faz o seu gênero, "porque eu sei quantas coisas erradas há por aí, inclusive no Fed e nas agências reguladoras".
Depois da crise, Bernanke justificou sua decisão de jogar dinheiro público em empresas atrapalhadas com uma observação memorável:
"Não existe ateu em trincheira nem ideólogo em crise financeira".
(A primeira parte é de um capelão, seu mérito foi criar a analogia.)
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acha que o deputado Eduardo Cunha cometeu um lapso ao dizer que os relatores de medidas provisórias ficam com "o ônus da conciliação".
De fato, sempre que se enfia um contrabando numa dessas medidas ocorre uma conciliação entre os interesses de quem leva o gato para a tuba e os de quem o aceita.
O cretino entende que, se um dia lhe dessem uma dessas relatorias, não veria na conciliação um ônus, mas um bônus.
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OS PIXULECOS PODEM PRODUZIR UM BEN CARSON
Na semana passada, apareceram duas pesquisas.
Nos Estados Unidos, o neurocirurgião Ben Carson, um conservador que nunca disputou eleição e simboliza a repulsa ao andar de cima do seu partido, ultrapassou o milionário Donald Trump na preferência dos republicanos.
Tinha 23% em agosto e está com 28%.
Nessa mesma pesquisa, Jeb Bush, ex-governador da Florida, neto de senador, filho e irmão de ex-presidentes, tinha 8% e caiu para 5%.
Como a eleição será no ano que vem, Carson pode capotar.
Noutra pesquisa, no Brasil, o Ibope mostrou que todos os candidatos das últimas quatro eleições presidenciais têm um índice de rejeição na faixa dos 50%, do tipo "não votaria nele de jeito nenhum".
Lula era rejeitado por 33% em maio de 2014 e está com 55%, Geraldo Alckmin com 52% e Marina Silva tem 50%.
Aécio Neves ficou na margem de erro, com 47%.
No Brasil, a situação dos políticos está pior do que nos Estados Unidos.
A presidente reelegeu-se com patranhas e pedaladas, produziu um rombo de R$ 110 bilhões, atirando o país numa crise econômica na qual corre o risco de ter taxas de inflação e desemprego acima de 10%.
Diante de tamanho desastre, pode-se perguntar a causa da rejeição dos oposicionistas.
Simples: eles elegeram Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, apoiam discretamente sua permanência no cargo e muitas medidas provisórias com seus jabutis escandalosos são aprovadas por acordos de lideranças do tipo me dá o meu que te dou o teu.