Sem bolivarianismo nem militarismo 02/11/2015
- Renan Santos*
Deus, que dor nas costas! Despertar numa barraca de nylon sobre o declive do gramado do Congresso Nacional não é, exatamente, a melhor das experiências ortopédicas.
Ainda que a vista guarde algum ineditismo, as saudades da minha cama e de um teto sem vazamento ganham cada vez mais peso em meu ânimo diário.
São ossos do ofício, diria o amigo resignado. Mas o fato é que os ossos reclamam cada vez mais do ofício.
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Normal. Hora de sair da barraca.
O universo particular que criamos em frente ao Congresso Nacional é o exemplo mais recente de um Brasil novo, que vem surgindo a despeito do olhar oblíquo de setores da imprensa e da classe artística -- os contadores de história por excelência que se negam a contar a grande história do ano.
Por entre as barracas, vejo dezenas de pessoas, em sua maioria jovens, dos mais diversos estados da federação, que carregam consigo histórias de vida profundamente diferentes e um sentimento de unidade surpreendentemente natural.
Voltou a chover em Brasília: na natureza original, não havia acampamentos...
Não existe espaço para bairrismos.
Os gaúchos pilotam a cozinha com um baiano; a turma da Paraíba toca violão com o cabeludo do Paraná, e as meninas de São Paulo planejam os atos da semana com as colegas de Goiânia.
Sem frescura, sem estresse.
Seria impossível imaginar um ambiente melhor para que nosso grupo, o Movimento Brasil Livre (MBL), pudesse comemorar seu primeiro ano de existência.
Num momento em que o impeachment de Dilma Rousseff torna-se politicamente factível; em que o maior partido do país, o PMDB, assume publicamente uma agenda liberal e desestatizante e em que a sociedade civil se encontra alerta e engajada, estar ombro a ombro com meus colegas de movimento nesse cerco moral ao Congresso Nacional possui uma carga simbólica e emocional das mais intensas.
Estamos numa etapa muito importante de uma luta que iniciamos no dia 1º de novembro de 2014.
Foi numa tarde de sábado, então ensolarada, que quase 10 mil brasileiros tomaram a Avenida Paulista para deixar claro a todos que não aceitariam de braços cruzados o vale-tudo em que haviam se convertido as eleições presidenciais recém-apuradas.
O uso de militância violenta para amedrontar a imprensa livre, os meandros cada vez mais assustadores da operação Lava-Jato, o derretimento do real e dos fundamentos econômicos do país eram sintomas claros de um processo de precarização das instituições republicanas que nos legaria um futuro, no mínimo, sombrio.
Era hora de reagir.
Manifestação após manifestação, ajudamos a construir uma cultura de resistência com iconografia e linguagem particulares.
Trouxemos as grandes metrópoles e o Brasil profundo às ruas do país de maneira pacífica, ordeira e articulada.
Dos pampas ao Rio Negro, todos clamavam pelo fim da impunidade, pela redução do peso governamental sobre seus ombros e pelo impeachment de Dilma Rousseff, cujo segundo mandato encerrou-se antes mesmo de começar.
Quando nossas reivindicações pareciam perder força diante de discussões bizantinas sobre base jurídica para o impeachment, iniciamos uma marcha a pé de São Paulo até Brasília para protocolar o nosso primeiro pedido de impeachment.
Mas isso era detalhe.
Queríamos inspirar outros brasileiros a integrar uma luta que não haveria de ser breve. Chegamos.
Moços e moças do país inteiro chegaram à conclusão de que chegou a sua vez de mudar o Brasil.
E eles vão!
Contra socos e pontapés das brigadas governistas, contra o silêncio de setores da imprensa, mas embalados pela indignação de milhões de brasileiros, chegamos até aqui.
E aqui não encerraremos nossa jornada.
O PT e Dilma Rousseff são apenas os da hora de uma forma de se fazer política que não é apenas moralmente condenável.
Ela também nos condena à pobreza, à mentira e à servidão.
Retornaremos a nossos respectivos lares no momento oportuno para continuar nossa luta por um Brasil mais livre, justo e próspero para todos.
Encerro com as palavras de Diego Aires, nosso colega de Campina Grande:
“Hélio fervente castiga o campo
A chuva alivia o rosto suado
E o sangue que ferve no homem lutando
Alenta e libera o povo cansado”.