Falhas no eSocial são típicas da incompetência arrogante 05/11/2015
- O GLOBO
Há figuras de linguagem que são chavões, desgastados pelo uso. Como afirmar que uma determinada imagem “vale mais que mil palavras”.
Cabe, porém, recorrer ao artifício para registrar que a confusão criada pelo governo federal com o incompetente lançamento do sistema eletrônico de emissão de guia para o recolhimento do FGTS e encargos cobrados sobre o rendimento do empregado doméstico vale mais do que teses de doutorado acerca da opressão exercida sobre a sociedade por um Estado obeso, caro e inoperante.
A história da emissão da guia de recolhimento pelo sistema do eSocial, onde estão reunidos serviços da Receita Federal, da Caixa Econômica, do Ministério do Trabalho e da Previdência (INSS), funciona como um emblema do descaso do Estado para com o cidadão.
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A formalização do emprego doméstico é coisa antiga, a burocracia pública não pode alegar que não teve tempo de se preparar para colocar à disposição dos empregadores um sistema que funcionasse.
A emenda constitucional que estendeu direitos do emprego formal ao trabalho doméstico, a “PEC das Domésticas”, é de 2013.
Alguém em Brasília poderia ter tido a iniciativa de já convocar as áreas envolvidas no tema para começar a trabalhar no sistema de emissão de guias.
Mas mesmo quando isso acontece, não se pode garantir que tudo funcione de forma minimamente aceitável.
Quem é forçado a navegar no site da Receita para pessoas físicas, por exemplo, conhece as dificuldades: páginas que avisam não ser seguras para o internauta, lentidão, labirintos digitais que precisam ser percorridos pelo contribuinte, quase sempre sem êxito, e assim por diante.
Por ilustrativa coincidência, a confusão no eSocial ocorre não muito depois do lançamento da versão de 2016 da “Doing Business”, do Banco Mundial, pesquisa que avalia as condições de vários mercados para o funcionamento das empresas.
E o Brasil frequenta os piores lugares neste ranking, devido a este Estado avantajado, com grande capacidade de criar normas, impostos, toda sorte de obstáculos para pessoas e empresas.
Entre 189 economias, a brasileira está em 116º lugar, muito distante do Chile (48º), Colômbia (54º) e México (38º), para citar vizinhos de continente.
Há várias explicações para tão pobre desempenho — como muito tempo, muita gente e muito dinheiro exigidos para as empresas pagarem uma quantidade excessiva de impostos.
Além do tamanho e custo do Estado, há o agravante de uma cultura da impunidade, porque os servidores, estáveis, nunca são avaliados pelo mérito.
Por isso, têm a reação arrogante de aconselhar as pessoas que não conseguem emitir a tal guia a “tentar de madrugada".
Ora, a burocracia pública que trate de resolver o problema que ela mesma criou.
Mas é pedir demais a um aparato que absorve 40% do PIB, gasta mais do que deveria e ostenta enorme incompetência sem risco de punição.