DE COSTAS PARA O PÚBLICO 11/11/2015
- Blog de Marcelo Madureira - Veja.com
Todo artista só tem dois patrimônios: a sua arte e o seu público.
Através da sua arte, o artista se comunica com o seu público e estabelece com ele fortes vínculos emocionais.
O artista interpreta um momento da realidade, um sentimento geral da sociedade e tenta expressar através do seu trabalho.
PUBLICIDADE
O verdadeiro artista chega na frente e “enxerga” antes de todo mundo aquilo que estava na cara mas ninguém conseguia ver.
Admirando a obra, o público se identifica e se solidariza de imediato e, com isso e por isso, se diz que o artista é um “formador de opinião”.
Não é bem assim.
Muitas vezes é justamente o contrário.
O verdadeiro artista possui uma sensibilidade especial que o permite capturar “um sentimento no ar” e consegue materializá-lo em obra e por isso é admirado.
As pessoas se “enxergam” na arte, a arte se reflete na sociedade num processo virtuoso.
Como diz a canção, todo artista tem de que ir aonde o povo está.
Mas sempre tomando o devido cuidado para não cair na demagogia, no oportunismo e no populismo, que é muito diferente do popular.
Então o artista é um refém dos sentimentos do povo?
Nem sempre.
Muitas vezes cabe ao artista estar na contramão do pensamento geral e ele paga caro por isso.
Estando em contradição com o status quo, ele, o artista, tem que explicar e defender o seu ponto de vista.
E aí, no exercício do contraditório, se avança alguma coisa.
O inadmissível é quando o artista se apropria da sua empatia com o público para fins tortuosos e inconfessáveis.
Tudo isso para declarar a minha perplexidade com o silêncio eloquente da classe artística brasileira frente à imensa crise moral, política e econômica em que estamos vivendo.
Como explicar a cerimônia de “beija-mão” à presidente Dilma Rousseff promovida pelo Ministério da Cultura a pretexto de homenagear o poeta Augusto de Campos no dia 9 de novembro último em Brasília?
Eu até entendo que qualquer pessoa pública pode ser a favor de um governo que está em contradição com a sociedade brasileira.
É da democracia a pluralidade de opiniões.
Mas só gostaria de entender o porquê.
Por favor, não me venham dizer que os governos lulopetistas defenderam os pobres, distribuíram renda e que tais. A realidade já mostrou que tudo isso é balela.
Mas não leio explicação nenhuma, nenhum posicionamento embasado e afirmativo.
No fundo (e no raso), os nossos artistas são escravos das leis de incentivo cultural, sempre manipuladas pelos governos de ocasião.
Na minha opinião, artista só deve frequentar palácios para afirmar que o rei está nu.
Mesmo que ele seja um bom rei.
Ampliando o pensamento de Millôr Fernandes sobre a imprensa:
Arte é oposição, o resto é comércio de secos e molhados.
É triste de ver que grande parte de nossos artistas não passam de uns cínicos.