É impossível calcular todos os prejuízos humanos e ambientais provocados pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, controlada pela brasileira Vale e pela anglo-australiana BHP, gigantes do setor.
As imagens e as informações ora disponíveis, contudo, bastam para escancarar as dimensões dessa tragédia.
Somadas, as barragens continham 62 bilhões de litros de água e rejeitos do beneficiamento do minério de ferro, volume equivalente a um terço da represa Guarapiranga, em São Paulo, ou dez vezes a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio.
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Essa imensa quantidade de lama escorreu morro abaixo e devastou um distrito de Mariana (MG), deixando pelo menos seis mortos, 19 desaparecidos e 637 desabrigados.
Em seguida, a mistura pastosa avançou cerca de 100 km até o rio Doce, por onde percorrerá outros 600 km antes de desaguar no mar, na costa do Espírito Santo.
No trajeto, os resíduos de minério terão não só ameaçado o abastecimento de água de 500 mil pessoas que vivem perto do rio Doce, mas também causado a morte de um sem-número de animais, destruído os habitat de diversas espécies, soterrado nascentes e afetado unidades de conservação ambiental.
Os impactos na vida silvestre se estenderão por muito tempo.
Quanto à saúde humana, a Samarco sustenta que os dejetos espalhados não lhe oferecem perigo. Tomara -- mas existem suspeitas de que a água de algumas cidades da região contenha níveis elevados de metais tóxicos.
Quem tem razão?
A dúvida, decerto, nada tem de irrelevante -- e, para piorar, não se trata da única questão inaceitavelmente sem resposta.
Por que inexistia sistema de sirenes para alertar os moradores de Mariana?
Por que a Samarco não apresentou o plano de contingência que diz ter e seguir, em observância às normas legais?
Por que uma das barragens rompidas continuou em operação mesmo tendo sua licença vencida desde 2013?
Por que os órgãos responsáveis permitem essa óbvia imprudência?
A outra barragem também tinha problemas conhecidos.
Dois anos atrás, o Ministério Público recebeu um laudo que apontava riscos de deslizamento de um talude próximo ao reservatório.
Ainda assim, a Samarco obteve a licença do Conselho Estadual de Política Ambiental.
Há muito a esclarecer acerca das possíveis causas desse desastre, e é preocupante que a desinformação também esteja contaminando suas consequências.
Segundo uma força-tarefa do Espírito Santo, a Samarco não tem prestado informações adequadas sobre as providências que estão sendo tomadas para minimizar o problema.
Tal comportamento é inadmissível -- e é de esperar que o peso das empresas envolvidas não turve o discernimento das autoridades competentes.
As explicações precisam ser dadas quanto antes, para que se apurem as responsabilidades de todos que, por ação ou omissão, sujaram as mãos nessa lama.