Foram necessários cinco rompimentos de barragens em Minas Gerais, em uma década, para a burocracia do Estado anunciar a busca de formas alternativas de disposição de rejeitos de mineração.
Mas só com o quinto e portentoso desastre, na empresa Samarco -- parceria meio a meio da brasileira Vale com a anglo-australiana BHP --, algo começou a se mexer.
O governador Fernando Pimentel (PT) fez, para isso, o que todo mandatário atordoado faz: criou uma força-tarefa, com nove órgãos, que terá 60 dias para propor alguma coisa. Qualquer coisa.
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A recente catástrofe devastou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG). Estimados 60 bilhões de litros de lodo se derramaram pelo vale do rio Doce após a ruptura de barragens de resíduos de minério de ferro, com perda de pelo menos 11 vidas humanas, destruição de atividades rurais e extermínio de incontáveis habitat.
Nos primeiros dez dias, a onda de lama percorreu 450 km. Na imagem que já se consagra, "cimentou" o leito do rio e, por onde passou, levou o abastecimento de água ao colapso e provocou mortandade de peixes e outros animais.
Muitos anos, ou décadas, transcorrerão antes que se possa falar em recuperação do ambiente natural.
O assoreamento do Doce, de seus afluentes e das nascentes vizinhas será persistente. O mesmo cabe dizer de espécies restritas à área devastada, que podem desaparecer da face da Terra.
Discute-se, como não poderia deixar de ser, quem pagará pela tragédia. Antes de mais nada, há a responsabilidade objetiva da Samarco, que arcará com despesas de indenização e remediação ambiental, estimadas na casa dos bilhões.
Acordo inicial com o Ministério Público prevê reserva de R$ 1 bilhão. O Ibama lavrou multas totalizando R$ 250 milhões. A apólice de seguro da mineradora não cobre nem esse segundo montante.
Tais autuações, contudo, terão efeito apenas residual na prevenção de novos desastres. Para tanto, será preciso diagnosticar onde falhou a regulamentação da atividade e, depois, modificá-la no que tiver de omissa ou obsoleta.
A primeira suspeita recai sobre o processo de licenciamento ambiental, neste caso da alçada do governo estadual.
O processo de autorização de mineradoras pouco contempla riscos inerentes, sobretudo nas barragens de resíduos.
A fiscalização da segurança dos diques compete ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Este órgão federal, agora vem a lume, não tem capacidade operacional de controlar como deveria as barreiras de contenção de centenas de lagoas de rejeitos.
Limita-se, muitas vezes, a receber sem verificar várias informações declaradas pelas empresas.
O DNPM já fala em contratar auditores externos para reforçar o monitoramento.
Além da falta de pessoal, o departamento teve cortes profundos de verbas, como tantos órgãos federais.
Pior: ele deveria receber todo ano 9,8% do arrecadado com royalties da mineração por meio da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, com alíquota de 2% sobre o faturamento líquido no caso do ferro). Na média, fica só com 0,8%.
A sanção milionária pelo Ibama tem pouco efeito real. Se não recolher a multa em 20 dias, com desconto de 30%, a companhia pode recorrer administrativa e, depois, judicialmente. Nada se decide, em geral, antes de cinco anos.
A única coisa boa que poderia resultar da tragédia de Mariana seria uma reforma do Código de Mineração de 1967. O debate sobre ele no Congresso encontra-se paralisado desde 2013.
Grandes empresas do setor temem que se aumentem as alíquotas da CFEM e se enfraqueçam direitos de preferência sobre lavras inexploradas. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", elas fizeram doações milionárias a 11 dos 20 deputados da comissão especial que examina o tema, entre eles o relator, Leonardo Quintão (PMDB-MG).
Não estranha que Quintão tenha recusado emendas impondo a contratação de seguro, decisão que agora pretende reconsiderar.
Menos mal. Ele e seus colegas precisam dedicar-se com mais afinco ao aperfeiçoamento do código.
Para isso, será preciso disciplinar melhor a questão do licenciamento ambiental, tornando-o, quanto à prevenção de riscos, mais rigoroso -- o que obviamente não pode significar mais burocrático.
No que respeita aos royalties, baixos para os padrões globais, caberia revê-los e destinar mais recursos às localidades impactadas e a um fundo para custear a recuperação após desastres.
A pavimentação do rio Doce evidenciou como é inadequada a regulamentação do setor mineral. No interesse geral, e em memória de tudo e de todos que foram soterrados pela lama da Samarco, não tem mais cabimento deixar que o poderio econômico seja o único a ditar as regras de seu controle.