A benevolência do açougueiro 21/11/2015
- Hélio Schwartsman - Folha de S.Paulo
Nossos cérebros não foram forjados para viver sob economias modernas.
Nós não só temos dificuldade para processar elementos básicos do funcionamento do mercado como ainda gostamos de interpretar o mundo como uma incessante luta do bem contra o mal, do fraco contra o forte.
O resultado disso é que até enxergamos virtudes no industrial ou no fazendeiro, que "criam" produtos, mas é só trazer o comerciante ou, pior ainda, o banqueiro para a equação que já nos pomos a chamá-los de atravessadores e sanguessugas.
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Não digo que estes não têm incentivos para esfolar o consumidor e o farão se puderem.
Mas a força da economia de mercado reside no fato de que ela não depende tanto da boa disposição moral dos agentes para funcionar.
Como escreveu Adam Smith, "não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses".
Não se trata de uma panaceia.
Há muitas situações em que, se os apetites dos indivíduos não forem contidos pela lei, teremos péssimos resultados.
A aposta do capitalismo, porém, é que acertaremos mais se deixarmos as pessoas livres para agir segundo seus interesses do que se tentarmos regular tudo "a priori".
Faço essas considerações a propósito da decisão do STJ de que comerciantes não podem oferecer desconto a quem paga com dinheiro vivo.
Ora, se o custo da operação com cartão de crédito é maior, não está ao alcance de nenhuma lei mudar essa realidade.
E faz mais sentido deixar para o comerciante definir se é mais vantajoso dividir o custo extra entre todos os clientes ou direcioná-lo para quem de fato contrai o crédito.
O interesse do empresário, vale lembrar, já é vender o máximo possível.
Enquanto não nos livrarmos da crença de que bastam leis para criar valores e eliminar custos, o mercado não vai funcionar tão bem por aqui.