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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Tiro no próprio pé
08/12/2015 - Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com

Michel Temer, vice-presidente da República, é um homem educado também no sentido, vamos dizer, escolar do termo.

Tanto é assim que recorreu ao velho estilo epistolar para evidenciar as múltiplas provas de desconfiança dadas por Dilma e expor o tratamento truculento de que tem sido vítima.

Ontem, segunda, enviou uma carta à presidente elencando 11 provas concretas de que ela não confia nem nele nem em seu partido, PMDB.


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A mensagem, esclarece a Vice-Presidência, não implica um rompimento pessoal com Dilma nem o fim da aliança do PMDB com PT.

Ainda que assim seja, é claro que o texto se tornou um marco.

Agora, ou racha ou racha.

Com a carta, Temer respondia ao assédio brutal dos palacianos, que tentam, na prática, cassar-lhe prerrogativas constitucionais.

A ousadia é tal, já apontei isso aqui, que o ministro Jaques Wagner teve o topete de pôr na boca do vice palavras que este não pronunciou.

Agora vamos ao que é mais impressionante.

A carta foi enviada à presidente quando governistas fiéis ao Planalto lutavam com dissidentes, em companhia da oposição, pelo controle da comissão especial que vai analisar a denúncia que pode resultar no impeachment de Dilma.

Trata-se de uma mensagem pessoal.

Ora, é evidente que jamais deveria ter sido vazada para a imprensa.

Mas foi.

O próprio Temer se surpreendeu.

Afirmou:

“Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente da República. Tive o cuidado de mandar pessoalmente a minha chefe de gabinete entregá-la. Mais uma vez, avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o palácio ter divulgado uma carta confidencial. Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva e Jaques Wagner divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente, me deixando mal jurídica e politicamente.”

Pois é…

A que alude o vice?

Explico.

Temer esteve com Dilma.

Os dois ministros espalharam a versão de que o vice não via base jurídica para Eduardo Cunha aceitar a denúncia contra Dilma.

Temer não se furta a expor com todas as letras o seu desconforto:

“Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo, e, depois, o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico.”

Pode não ser uma carta de rompimento pessoal e de descolamento do PMDB do governo, mas é evidente que, depois dela, ou racha ou racha.

O que quero dizer com isso?

Michel Temer está deixando claro que é vice-presidente da República; que a Constituição lhe assegura prerrogativas que governo nenhum pode tolher; que não vai entrar pessoalmente no jogo para influenciar os votos no Congresso; que não vai aderir à gritaria histérica do Planalto, que acusa “golpe”.

Temer está dizendo, em suma, que seguirá leal ao papel que lhe atribui a Constituição.

Falemos um pouco da carta.

O vice a inicia com uma epígrafe de um ditado latino, a saber: “Verba volunt; scripta manent” -- palavras ditas voam; palavras escritas permanecem.

Ou por outra: ele preferiu escrever porque ouviu dizer que a presidente o chamaria para mais um encontro.

E, depois das distorções de Wagner e Edinho, Temer não quis correr o risco de ouvir falas que não são suas a voar por aí, como se suas fossem.

Na epístola enviada a Dilma, elenca 11 episódios em que a desconfiança da presidente no seu vice e no PMDB ficou patente.

Pois é…

Temer poderia ter citado ainda um outro adágio latino: “Verba movente; exempla trahunt”. Ou: as palavras movem; os exemplos empurram.

Mas isso é literal demais e não aclara as coisas.

O melhor seria: as palavras movem; os exemplos compelem, convencem, evidenciam.

Temer afirma que passou os quatro primeiros anos como “vice decorativo” e que “só era chamado para resolver votações do PMDB e crises políticas”.

Diz que jamais foi convocado para discutir “formulações econômicas ou políticas do país”.

E resume:

“Éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”.

Deixa claro que sentiu como agressão pessoal a retirada de Moreira Franco do Ministério da Aviação Civil, já que era uma indicação sua.

Sustenta que Eliseu Padilha deixou a mesma pasta na semana passada porque desprestigiado, mas que o governo fez questão de alardear que isso era parte de uma conspiração supostamente liderada por ele, Temer.

No quinto item de suas razões, lembra a coordenação política que chegou a assumir em abril, para dela sair em agosto, depois de aprovado o ajuste fiscal, porque os acordos que foram costurados para conseguir aquelas votações não foram cumpridos.

Na reforma ministerial que mudou peças do PMDB, Temer lembra que, apesar de ser presidente do partido, Dilma preferiu ignorá-lo e chamou para cuidar do assunto Leonardo Picciani (RJ), líder do partido na Câmara, e seu pai, Jorge Picciani.

Na ordem dos insultos, Temer observa que, na posse, Dilma manteve reunião de duas horas com Joe Biden, vice-presidente dos EUA, fazendo questão de ignorá-lo -- justo ele, que diz manter uma relação de amizade com o político americano.

Temer afirma que até o programa da Fundação Ulysses Guimarães “Uma Ponte para o Futuro” foi usado como suposta evidência contra o PMDB e contra ele próprio.

E diz que o governo continua tentando dividir o partido, sem sucesso.

O vice-presidente, em suma, deixou claro que a relação de confiança alardeada por Dilma não existe.

E conclui:

“Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje e não terá amanhã”.

Na mosca!

Não fosse a conjugação de crise econômica, crise política e crise de confiança, o PT estaria empenhado neste momento em destruir o PMDB.

Apontei aqui essa disposição já em fins de 2011 e início de 2012.

Na sua brutal arrogância, os petistas julgavam que já tinham destruído o PSDB e que era a hora de começar a caçar os aliados.

Agora é ou racha ou racha.

O PMDB pode, sim, continuar na base -- até porque, suponho, o próprio governo não pretende se livrar dele --, mas Temer deixa claro que, a exemplo de Dilma (deveria ser assim ao menos), as suas responsabilidades pessoais transcendem as do partido.

Dilma terá de lutar por seu mandato -- espero que o faça dentro das regras do jogo, e Temer tem de ter claro que seu papel institucional é substituí-la em caso de impedimento.

Com a grave responsabilidade de encontrar um caminho que ao menos nos livre da depressão econômica.

Cada um no seu quadrado.

Sei lá por que diabos o Planalto divulgou a carta.

Há mais fígado do que cérebro nessa decisão.

Para Temer, foi excelente.

Aquilo que é dito apenas entre duas pessoas não impõe, aos olhos da opinião pública, nenhuma forma de especial decoro.

Quando, no entanto, a conversa confidencial vira assunto até de boteco, não resta às personagens, ou aos litigantes, outra coisa que não o dever da coerência.

E o dever de Temer, agora, é ficar longe de Dilma para, se preciso, substituí-la e dar início ao seu governo.

É a regra.

É a lei.

É a Constituição.

E o PT vai de ter de engolir ou de engolir.


  

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