O Brasil lava mais branco 12/12/2015
- Demétrio Magnoli*
O nome é PL 2.960, mas sugiro batizá-lo como estatuto de fundação da Lavabrás.
Nasceu no governo, a pretexto de contribuir com o ajuste fiscal, foi aprovado na Câmara por 230 a 213, com os votos cruciais do PT e do PMDB, mas contra todos os partidos oposicionistas.
Depois, percorreu o Senado em regime de urgência e pousou na mesa de Renan Calheiros, que pode expô-lo a deliberação final a qualquer momento.
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Não ganhou as manchetes principais dos jornais, embora provoque frêmitos quase sexuais no mercado financeiro.
O Brasil de Dilma, Levy, Lula, Temer, Cunha e Calheiros alcançou consenso em alguma coisa: a legalização da lavagem de dinheiro oriundo do crime.
A Lavabrás opera no registro da duplicidade.
Seu estatuto diz uma coisa em letras grandes e o oposto dela em letras pequenas.
Letras grandes: o artigo 1º anuncia um "regime especial" de regularização de recursos e bens de origem lícita não declarados ao fisco, mantidos no exterior ou repatriados.
Letras pequenas: o artigo 5º inclui no "regime" os frutos de uma longa série de crimes, oferecendo anistia geral, irrestrita, a sonegadores do fisco, violadores de regras tributárias, autores de golpes contra a Previdência, falsificadores de documentos públicos e privados, contrabandistas e, claro!, quadrilhas dedicadas à evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Elaborada por gente que entende do riscado, a lei anistia a prática de associação criminosa, o uso de "laranjas" e os próprios "laranjas".
Corra, Lola, corra: só ficam excluídos os condenados com sentença transitada em julgado.
A Lavabrás suprime o princípio da igualdade perante a lei, premiando seus sócios potenciais, os criminosos de colarinho branco, que obtêm excepcionais vantagens tributárias.
Letras grandes: os recursos declarados no "regime especial" incorrem em imposto de 15% mais multa de 100% sobre o imposto, totalizando 30%, similar à taxação de contribuintes honestos e pontuais (27,5%, pessoa física, ou 34%, pessoa jurídica) e muito menos que a taxação de sonegadores comuns, sujeitos a multa de 150% mais juros Selic sobre o imposto devido.
Letras pequenas: fixa-se o câmbio de conversão dos recursos pela cotação do dólar do último dia de 2014, o que representa um "desconto" da ordem de 40% na taxação dos patrimônios de origem criminosa.
No Brasil, o crime compensa.
A Lavabrás é um antídoto contra a Lava Jato.
Enquanto a força tarefa de Curitiba desvenda a ramificada teia da corrupção público-privada, seguindo as pegadas da evasão de divisas e da lavagem de dinheiro, o estatuto da Lavabrás extingue a punibilidade dos crimes investigados e -- cúmulo da perfeição! -- cobre-os com o manto sagrado do sigilo fiscal.
Tudo está lá, em letras pequenas, nas catacumbas do parágrafo 12 do artigo 4º, do parágrafo 1 do artigo 5º e do parágrafo 1 do artigo 7º. São as perucas, os bigodes e as cirurgias plásticas destinadas a reinserir os bandidos da corte no nosso belo quadro social.
A Lavabrás obedece ao cronograma da emergência.
No contexto da globalização, da corrupção internacional, do terrorismo e do tráfico de armas e drogas, os EUA introduziram na arena diplomática os acordos Fatca (Foreign Account Compliance Act), destinados ao intercâmbio de informações tributárias.
Como outras nações do G20, o Brasil assinou o acordo bilateral com os EUA, além de outro similar, com a Suíça.
Eles entram em vigor no início de 2017, quando extensas listas de criminosos de colarinho branco, fornecidas pelos governos americano e suíço, chegarão às mãos da Receita brasileira.
É por isso que o estatuto da Lavabrás concede 210 dias para adesão ao "regime especial".
O Brasil lavará dinheiro em 2016, aproveitando a janela de oportunidade que se fecha por iniciativa do "imperialismo".
Impeachment?
Eles brigam por coisas menores, mas sabem onde o calo aperta.
...
*Demétrio Magnoli, doutor em geografia humana, é especialista em política internacional.