O Leão só ruge para baixo 27/12/2015
- Demétrio Magnoli*
A Receita Federal investiga o Instituto Lula, informou a Folha na terça (22).
"A investigação nasceu a partir de dados da inteligência da Receita, que colabora com a Operação Lava Jato", explica a reportagem.
De fato, sem uma operação do Ministério Público, o Leão jamais investigaria uma "pessoa especial".
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O Leão foi domesticado: na nossa república de compadres, ele só ruge para baixo.
A minuta de uma Lei Orgânica do Fisco, que concede autonomia técnica aos auditores fiscais, dorme desde 2010 numa gaveta empoeirada da Advocacia-Geral da União.
O temido Leão é um bichinho de estimação do ministro da Fazenda, que nomeia o secretário da Receita e controla as indicações dos superintendentes regionais e dos chefes de unidade.
A centralização de poder nos cargos de comando funciona como couraça protetora dos indivíduos de "sangue azul".
"Tudo começou com FHC". No caso da Receita, o álibi clássico do PT contém um grão de verdade.
Pela Portaria SRF 782, de 1997, o governo colocou uma coleira no Leão, inventando a figura do "acesso imotivado".
O nome é deliberadamente enganoso: o acesso torna-se "imotivado" apenas por não contar com autorização prévia de um chefe de unidade.
O auditor que ousar seguir pistas laterais surgidas numa investigação autorizada sujeita-se a punições administrativas.
A alegação de que a figura do "acesso imotivado" protege o contribuinte de perseguições é falsa e cínica.
Falsa, pois todo acesso de dados fiscais por auditor da Receita deixa um rastro eletrônico que identifica seu autor, permitindo responsabilizá-lo.
Cínica, pois tem como pressuposto que os chefes, detentores de cargos de confiança, são guardiões incorruptíveis dos princípios republicanos.
Na prática, a espada de Dâmocles do "acesso imotivado" assegura à cúpula da Receita a prerrogativa discricionária de determinar quem será e quem não será investigado.
O rugido do Leão depende da voz de comando do domador, que é o governo.
Na Receita, tudo que FHC começou, o lulopetismo radicalizou.
A Portaria RFB 2.344, de 2011, consolidou as punições associadas ao "acesso imotivado".
Além disso, no ano anterior, o governo criou uma lista de "pessoas politicamente expostas", cujos dados fiscais só podem ser acessados mediante aviso ao próprio secretário da Receita.
A lista de fidalgos abrange os detentores de cargos eletivos do Executivo e do Legislativo, ministros e dirigente de empresas estatais, ocupantes de altos cargos de livre nomeação, a cúpula do Judiciário, governadores, prefeitos e presidentes de partidos políticos.
"Essas pessoas têm uma situação que, caso haja um acesso indevido, estarão protegidas", anunciou na ocasião o ministro Guido Mantega, oficializando a divisão dos brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.
A "lista de Mantega" nasceu de um pretexto esperto.
Na campanha eleitoral de 2010, como parte da guerra suja petista, os dados fiscais de José Serra e de seus familiares foram acessados indevidamente.
O detalhe é que o acesso não partiu de um auditor fiscal, mas de uma servidora do Serpro, provavelmente cumprindo missão partidária.
Assim, escudado na alegação de proteger um rival político, o governo adicionou uma focinheira ao Leão, impedindo-o de rugir para cima.
Na época, casualmente, a Petrobras sofria o assalto das forças da coalizão PT-PMDB, em aliança com as grandes empreiteiras.
O Leão amestrado está submetido a rígido controle alimentar.
Nos últimos anos, a remuneração dos auditores fiscais desceu uma ladeira íngreme, situando-se hoje atrás dos salários dos funcionários de 26 fiscos estaduais.
Al Capone foi pego por sonegação fiscal, o menor de seus crimes.
Nossos Capones, porém, têm pouco a temer pelo lado da Receita.
São amigos do rei e da rainha, pessoas especiais, "politicamente expostas".
No Natal, eles brindaram a isso.
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*Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional.