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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Feliz 3016
30/12/2015 - Marcelo Coelho - Folha de S.Paulo

Cristãos, judeus e muçulmanos se cruzam e entrechocam no Oriente Médio há mais de mil anos.

“O mundo inteiro se acotovela/ se juntando por aqui”, diz um dos personagens de “Nathan, o Sábio”, obra-prima teatral de Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), que sai agora no Brasil com tradução de Marcelo Backes. Faz parte do livro “Três Peças”, da editora Topbooks.

A história se passa no tempo das Cruzadas, e quem constata o “acotovelamento” geral das religiões é um cavaleiro templário que “milagrosamente” escapou de uma execução de guerreiros cristãos ordenada pelo sultão Saladino.


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Há certa ironia na fala do cavaleiro. Sim, com tantas religiões juntas, Jerusalém não poderia deixar de ser uma “terra de milagres”. Salvo por Saladino, o templário fica sem eira nem beira pelos arredores da cidade.

A casa de um homem rico pega fogo. O judeu Nathan estava em viagem de negócios. O templário corre até o lugar do incêndio e salva a filha do comerciante. A bela Recha demora a acreditar que foi resgatada por mãos humanas.

“Deus acenou”, diz ela, “para que meu anjo/ visível me carregasse/ (e) sobre suas penas brancas/ através do fogo eu passasse”.

O pai da moça, voltando de viagem, duvida dessa interpretação. Tem início um dos muitos debates de ideias que, em versos rápidos e concisos, Lessing sabe expor como ninguém.

“As penas brancas!/ Sim, sim!”, sorri Nathan. “O casaco branco aberto/ Do templário, por certo.”

A filha insiste: “Vós mesmos não me ensinastes/ Que existem anjos,/ Que Deus também pode/ Fazer milagres/ Por aqueles que o amam?/ E eu O amo”.

Nathan prefere um raciocínio mais complicado e mais bonito. Transcrevo em prosa. “Só porque soa bem natural que um verdadeiro templário te salve, seria por isso menos um milagre? O mais sublime nos milagres é que os milagres verdadeiros, genuínos, podem, devem, se tornar cotidianos para nós.”

A peça mistura uma história de amor, claro, com algumas questões morais e filosóficas típicas do século 18, como a da verdade relativa das diversas religiões. Supérfluo dizer que, neste fim de 2015, continuam atualíssimas.

Em especial, Lessing destaca um problema que não deixa de nos dar dores de cabeça hoje em dia: como sustentar, ao mesmo tempo, a universalidade de princípios como a tolerância, e o respeito à diversidade das culturas e religiões?

Comovido pelos atos generosos de Nathan, um monge se exalta: “Por Deus, sois um cristão!/ Melhor cristão jamais houve!”. O sábio responde: “Assim seja!/ Pois o que faz de mim/ Um cristão para vós,/ Faz de vós um judeu para mim!”

A passagem mais famosa da peça é a história dos três anéis, reelaborada por Lessing a partir de um conto de Boccaccio (1313-1375).

Que seja resumida aqui, como mensagem de ano novo.

O sultão Saladino desafia a inteligência de Nathan. Cristãos, muçulmanos e judeus têm fés diferentes. Mas apenas uma pode ser verdadeira. Como escolher a certa?

Nathan fala de uma pedra preciosa, uma opala, que tinha o dom de “tornar agradável/ Diante de Deus e dos homens” quem a usasse no dedo. O feliz possuidor desse anel deveria, ao morrer, dá-lo a seu filho preferido.

E assim foi feito, ao longo de gerações, até que aconteceu de um pai amar igualmente seus três filhos. Sem saber para quem dar o anel, procurou um ourives que fabricou duas cópias perfeitas do anel mágico.

Cada filho ficou com um anel, sem saber se possuía o verdadeiro. Foi solicitada a opinião de um juiz. Só se o pai ressuscitasse, ou se o anel fosse capaz de falar, seria possível resolver essa pendência, disse o magistrado. E deixou as coisas do seguinte modo.

O anel verdadeiro tinha o poder de tornar seu possuidor querido por Deus e pelos homens. Esperemos, portanto. A mágica da opala genuína haverá de manifestar-se, para quem agora a tem nos dedos, e nos seus descendentes.

“Eu voltarei a convidá-los”, concluiu o juiz, “em mil anos/ Para virem até aqui de novo./ E então um homem/ Mais sábio do que eu/ Estará sentado sobre esta cadeira/ E irá falar./ E agora, ide!”

Passaram-se quase mil anos desde o tempo em que transcorre a peça de Lessing. É razoável acreditar que outras cópias, igualmente perfeitas, do anel original tenham sido feitas por aí.

Esperemos mais mil anos, portanto. E feliz 3016.


  

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