Recessão bate governo de 7x1 03/01/2016
- DAVID KUPFER - O ESTADO DE S.PAULO
O famigerado 7 x 1 que a Alemanha impôs ao Brasil na semifinal da Copa do Mundo do já longínquo ano de 2014 marcou não somente pela goleada, mas também pela passividade da comissão técnica da seleção brasileira, que assistia àquela chuva de gols sem tomar qualquer atitude.
Pois o mesmo vem ocorrendo com a economia brasileira nesse ano de 2015 que, felizmente, acabou de ser deixado para trás.
É raro na história brasileira o PIB cair 3,5% em um ano. Pior, as expectativas para 2016 também convergem para um novo tombo que, em se confirmando, significará um recorde negativo quase secular, dado que o Brasil não enfrenta dois anos seguidos de retração desde o biênio posterior à crise de 1929.
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Porém, mais do que a sucessão de números desastrosos, o que mais chama a atenção em um balanço do desempenho da economia em 2015 é a apatia com que a política econômica foi conduzida ao longo de todo o período.
Vista da perspectiva de um final de jogo, a política econômica de 2015 foi incompreensível.
Parece que todas as decisões foram condicionadas por uma tentativa desesperada de evitar a perda do grau de investimento pelo País ou, talvez, por esforços, nesse caso desesperançados, visando induzir os agentes a precificar essa perda de forma gradual, evitando-se um grande choque em uma economia já combalida.
Se essa era a missão principal de Joaquim Levy, explica-se a mudança do treinador, quer dizer, do ministro da Fazenda. Esse jogo terminou com uma derrota fragorosa.
A diferença é que enquanto no futebol o jogo tem duração determinada, na economia ele se repete indefinidamente.
A partir de 2011, com base em um diagnóstico equivocado, que superestimou o sucesso da saída da crise global em “V” e subestimou a dificuldade de adaptação da economia nacional ao novo quadro da economia mundial, desenhou-se uma política econômica como se houvesse uma capacidade inesgotável de financiar medidas anticíclicas.
Contudo, a dinâmica fiscal brasileira é extremamente vulnerável ao ciclo econômico. Isso ocorre devido tanto ao comportamento da receita, posto que essa é muito apoiada em impostos sobre produtos, quanto da despesa, dado que essa é, em grande parte, inflexível.
Historicamente, a correção do desequilíbrio fiscal que acompanha os momentos de retração econômica sempre demandou soluções que envolveram alguma forma de ampliação da carga tributária.
Como hoje prevalece o entendimento social de que essa carga já atingiu o limite do suportável, o compasso de espera, que já consumiu o ano de 2015, expressa a contagem do tempo necessário para que a sociedade se convença de que não há outra opção.
O grande problema é que, no plano substantivo, muito mais do que o reequilíbrio fiscal, pura e simplesmente, a saída da recessão passa pela recuperação da produção industrial.
É bom que se diga que isso é assim não porque a indústria seja um setor eleito, mas porque é ela que reúne as atividades produtivas com maior poder multiplicador da renda.
No entanto, a indústria brasileira está em um processo latente de crise desde 2007, pelo menos.
Esse resultado não poderia ser diferente haja vista a política macroeconômica hostil para a indústria que predominou nos últimos 20 anos, que teve doses elevadas de valorização cambial, manutenção de juros altos e de alta dos custos sistêmicos (tributação, infraestrutura, custos salariais etc.)
Os efeitos cumulativos de longo prazo trazidos por essa combinação de tendências provocaram um hiato crescente de competitividade que, por sua vez, reduziu o ritmo de investimentos e quebrou o principal circuito que impulsiona o progresso técnico da indústria, que é a construção de novas fábricas.
Daí sobreveio a defasagem de inovação, que explica a estagnação da produtividade da indústria.
Embora rudimentar, o seguinte exercício busca dimensionar o crescimento do hiato de competitividade.
Em 2006, quando a trajetória de perda de competitividade industrial tornou-se nítida, as exportações brasileiras de manufaturados (exclusive derivados de petróleo) foram de US$ 87 bilhões, contra exportações mundiais de US$ 8,607 trilhões, correspondendo, portanto, a uma participação de 1,01%.
Em 2014, esses números evoluíram para US$ 101,3 bilhões e 12,954 trilhões, respectivamente, reduzindo a fatia do País para 0,78%.
Se o Brasil tivesse conseguido manter a participação de 2006, as exportações em 2014 poderiam ter sido US$ 29,6 bilhões superiores ao efetivamente verificado.
Quer dizer, o hiato de competitividade em relação a 2006 “roubou” da indústria brasileira cerca de R$ 120 bilhões (pela taxa de câmbio atual de cerca de R$ 4).
Quanto desse valor será recuperado tão somente com a desvalorização cambial o tempo dirá. Mas há razões para se acreditar que não será a maior parcela.
A recomposição da competitividade estrutural requer a realização de investimentos, a modernização do parque industrial, a mudança na pauta de produção, enfim, todo um processo a percorrer para quebrar o círculo vicioso acima mencionado.
Claro que isso vai exigir tempo e apoio da política econômica.
A troca de um ministro da Fazenda por outro que também exibe perfil eminentemente técnico, e mesmo que ademais detenha maior conhecimento do que é o mundo da produção, dificilmente trará mudanças significativas na essência da política econômica de curto prazo.
Isso simplesmente porque há muito pouco espaço para alternativas a um grande esforço fiscal e a um enfrentamento duro da inflação.
Resta, então, esperar que a supressão da esquizofrenia que marcou a política econômica em 2015 possa melhorar o canal da previsibilidade e assim contribuir para recolocar a economia em movimento.