A esquerda e o ajuste econômico 04/01/2016
- CELSO ROCHA DE BARROS - FOLHA DE S.PAULO
Dirigentes do PT e da CUT têm feito declarações contrárias ao ajuste econômico. Não acho que isso vá afetar as atitudes do governo, que não tem alternativa a não ser fazer o ajuste. Mas não é um bom sinal para o futuro da esquerda brasileira.
O PT tem sido mais tímido nas críticas, como era de se esperar (afinal, o governo é dele): ateve-se mais a condenações genéricas, ofereceu algumas poucas propostas alternativas. Vai acabar tendo que apoiar seu próprio governo, mesmo que sem autocríticas explícitas. Qual seria a alternativa? Ir para a oposição? Inflar patos?
A CUT é bem mais incisiva, como também seria de se esperar: ainda não há no horizonte um desafiante forte para o PT na esquerda partidária, mas nos movimentos sociais há tendências de esquerda que contestam a CUT, ou que contestam a direção atual dentro da CUT. A situação dos sindicalistas é mais difícil.
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Não me cabe ensinar ninguém ali a fazer seu trabalho, mas é preciso notar que a dificuldade de trazer o PT e a CUT para o ajuste é uma demonstração de fraqueza da esquerda brasileira. Um movimento forte avança e recua organizadamente.
Os desafios são grandes. O PT deu a sorte de só ganhar a Presidência quando a situação econômica mundial se tornou favorável ao Brasil. Com dinheiro, o governo Lula foi capaz de adiar uma discussão chave da esquerda democrática brasileira: como conciliar a defesa dos direitos já adquiridos pelos trabalhadores mais organizados (urbanos, sindicalizados, empregados em atividades mais modernas, funcionários públicos com estabilidade) com a tarefa de levar mais direitos aos excluídos.
Um lado da tarefa é como conseguir dinheiro para fazer tudo isso. Outro lado é o que fazer quando não se tem dinheiro.
A solução de sonhos para os sindicatos é acelerar a modernização econômica até que o Brasil se transforme em um grande ABC de 1979, uma sociedade de trabalhadores formalizados e sindicalizados.
Mas nem o ABC é mais o ABC de 1979. Somos um caso do que o economista Dani Rodrik chamou de "desindustrialização prematura": após uma rápida industrialização, a importância da indústria para a economia brasileira decresceu, e isso antes que o país tivesse se tornado uma sociedade inteiramente moderna.
Uma das maneiras de ler a Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff é justamente como uma tentativa de promover uma reindustrialização a todo custo. Ela incluiria mais gente no setor organizado e sustentaria uma nova expansão do gasto social (que aconteceu, mesmo com o fracasso econômico). Assim, seriam evitados dilemas como, por exemplo, reformar a Previdência ou oferecer saneamento básico aos mais pobres.
Como vocês devem ter percebido, deu errado. E custou tão caro que o ajuste agora precisa ser maior do que teria sido em 2012 ou 2013. As escolhas agora precisam ser feitas.
Cada movimento social fará o que lhe parecer de seu interesse. Mas a função do partido e da discussão de ideias no campo progressista deveria ser evitar que isso se torne um movimento centrífugo. No momento, não está funcionando. Sou mais otimista do que a média no que se refere ao país e até mesmo ao governo Dilma; e não acho que haverá impeachment. Mas as perspectivas da esquerda me preocupam muito.