Os mascarados estão soltos 13/01/2016
- Elio Gaspari - O GLOBO
Há algum parafuso solto no sistema nacional de manutenção da ordem pública.
Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, completa sete meses de prisão preventiva na próxima terça-feira, e todas as 17 pessoas detidas durante as desordens ocorridas em São Paulo no início da noite de sexta-feira foram libertadas no dia seguinte.
Em poucas horas, foram depredados oito ônibus e cinco agências bancárias.
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Pode-se dizer que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, mas essas duas situações acontecem no mesmo país. Juntas, não fazem sentido.
Tem gente que fica feliz com a hipótese de os presos endinheirados mofarem na cadeia pelas malfeitorias que praticaram, mas não é assim que funciona a coisa.
A prisão preventiva de um cidadão só se justifica pelo flagrante de delito ou para impedir que ele continue praticando um crime.
Admita-se que esse é o caso para todos os empresários, políticos e espertalhões que estão presos em Curitiba e em Brasília.
O mesmo deveria valer para os desordeiros.
Ao contrário do que acontecia no mundo das empreiteiras, onde as roubalheiras eram dissimuladas, a ação dos mascarados deu-se às claras e foi registrada ao vivo e em cores.
A polícia de São Paulo mobilizou centenas de PMs, sua tropa de choque e veículos blindados para acompanhar a manifestação contra o aumento de tarifas de ônibus.
Para quem quer dar uma manifestação de força, serviço perfeito.
Durante mais de uma hora, mascarados tumultuaram o Centro da cidade. Só 17 pessoas foram detidas. É pouco, mas vá lá.
O relaxamento das prisões em flagrante foi determinado pela Justiça.
Uma juíza considerou inconclusivas as provas apresentadas contra os cidadãos.
A força foi exibida, mas deu em nada.
Das duas uma: a polícia prendeu quem não devia ou a Justiça soltou quem deveria continuar preso.
Ao final das contas, não prenderam uma só pessoa com provas que a juíza considerasse irrefutáveis.
Há apenas um desordeiro recolhido. Está na Fundação Casa, por ser menor de idade, e foi levado a uma delegacia na segunda-feira pelo pai policial, ao vê-lo num vídeo de quatro minutos na cena do espancamento de um PM.
A ação dos mascarados foi demorada.
Num incidente, eles pararam dois ônibus, obrigaram os passageiros a desembarcar e ordenaram aos motoristas que manobrassem os veículos para que obstruíssem uma avenida.
Em seguida, quebraram vidros e picharam a lataria dos veículos.
A polícia é treinada para intervir em situações desse tipo e dispõe de equipamento para registrar a cena.
Um cidadão mascarado no meio de uma manifestação pacífica é pelo menos suspeito de estar ali para provocar alguma desordem.
Quem já viu alguma dessas explosões de violência sabe que elas partem de grupos perfeitamente identificáveis antes, durante e depois das manifestações.
Desordeiro não é ativista, nem um sujeito quebrando vidros de ônibus está manifestando uma opinião.
Se a prisão dos empreiteiros tem a virtude de desestimular futuras traficâncias, o fato de não haver um só desordeiro na cadeia torna-se um estímulo a novas violências, cuja principal consequência é a inibição de manifestações pacíficas.