Chico Buarque, Millôr Fernandes e eu 19/01/2016
- Blog de Marcelo Madureira - Veja.com
Era de tarde. Estava eu trabalhando no meu escritório do Casseta & Planeta quando, subitamente, toca o telefone. Era da Globo News.
Millôr Fernandes acabava de bater as botas, passar desta para melhor, abotoar o paletó de madeira, ir de encontro ao Criador…
Enfim, perguntaram se eu poderia entrar ao vivo imediatamente e falar um pouco sobre a figura do Millôr.
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Não me fiz de rogado, aceitei. Lamentei a perda do Millôr, não só o brilhante humorista, mas também o intelectual, o escritor, o tradutor, o dramaturgo, o artista plástico… a genialidade múltipla e incomparável do Millôr Fernandes.
Mas, sobretudo, sublinhei a sua estatura moral quando, ao contrário de quase todos, se recusara a requerer a famigerada Bolsa Ditadura.
Para o Millôr, a oposição ao regime militar era uma questão de princípios, não era investimento.
Em seguida, ironizei dizendo que a Globo News só estava me dando notícias tristes. Pouco antes tinha sido Chico Anysio que “partira desta para a melhor”.
Indaguei então para a mocinha que ancorava a transmissão ao vivo quando é que a Globo News me daria uma boa notícia, do tipo: morreu Paulo Maluf, morreu Zé Sarney, Collor de Mello se suicidou, Lula teve um enfarte…
Não sei por que fui tirado do ar.
Dia seguinte, velório do Millôr no Caju.
Estava eu de frente para o esquife, sentado ao lado da Cora Rónai, quando se aproxima uma jovem repórter da Caras.
A menina pedia que eu desse uma declaração sobre a perda do insigne humorista “Millôr Ferreira”.
Estupefato, tive um ímpeto de levantar e ir até o ataúde para despertar o defunto do Sono Eterno e comentar: Porra, Millôr! Você nem bem entrou na Eternidade e já nem se lembram mais direito do seu nome!!! Millôr, você é um merda!
Infelizmente não cheguei a ser amigo do Millôr. Uma pena. Mas, sempre que estivemos juntos, tivemos conversas divertidas e respeitosas.
Ele gostava do Agamenon, que escrevo com o Hubert, que, aliás, conviveu muito mais com o Millôr, desde os tempos d’O Pasquim, onde realizaram vários trabalhos juntos.
Velório que segue.
Eis então que adentra a capela o Ziraldo. Inconformado com o fato de ter que dividir as atenções do ambiente com o “de cujus”, o maior desenhista de Caratinga começa a bradar ameaçador: Cadê o Marcelo Madureira? Cadê o Marcelo Madureira? Eu quero encher ele de porrada!!!
Motivo: Ziraldo, artista pobre e miserável (mais miserável do que pobre), é beneficiário da Bolsa Ditadura.
Consciente de minhas limitações físicas e graças à minha boa formação de judoca, recolhi-me à minha insignificância. É falta de respeito espancar os mais velhos.
Pouco depois fechou-se o caixão e o corpo do Millôr seguiu para a grelha.
Hoje, no meio dessa barafunda imensa em que se meteu o Brasil, ainda tem esse episódio lamentável do Chico Buarque.
No meio da polêmica, recordam que o insigne compositor havia cuspido no humorista, no caso o Millôr, porque este comentara, com muita propriedade, que desconfiava de gente, como o Chico Buarque, que faz ideologia meio de vida.
Não se deve cuspir nos outros. É feio, vulgar e sinal evidente de falta de educação.
Assim meus pais me ensinaram.
Mas insisto: por mais que se queira, Chico Buarque, pela sua obra musical, não é um merda. Ninguém é um merda. Quer dizer, talvez, quem sabe o Lula seja um merda… Mas eu jamais cuspirei nele.