Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi conhecido pela liberalidade e indulgência com que trata questões éticas. Um exemplo clássico dessa postura é o episódio da distribuição indevida de passaportes diplomáticos para todo o clã Da Silva às vésperas do encerramento de seu segundo mandato presidencial.
Lula não poderia ignorar que a ordem que deu ao então chanceler, Celso Amorim, infringia as normas do Itamaraty para a concessão de passaportes diplomáticos – reservados a autoridades ou representantes do governo em missão oficial no Exterior –, mas não hesitou em usar a autoridade de presidente da República para presentear a família com uma regalia a que os cidadãos comuns não têm acesso.
Soam hipócritas, portanto, as manifestações de surpresa e indignação com que o governo petista, fazendo coro a amigos e correligionários de Lula, está reagindo ao inevitável: as notícias de que ele pode ser objeto das investigações da Operação Lava Jato relativas ao famoso tríplex de cobertura num condomínio da Praia das Astúrias, no Guarujá.
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Essas reações são tão hipócritas quanto a recente declaração de Lula de que não há no Brasil ninguém mais honesto do que ele próprio.
Solicitada pelos jornalistas, em Quito, a se manifestar sobre o assunto, a presidente Dilma Rousseff irritou-se e deu uma resposta de quem não lê jornais:
“Eu me recuso a responder pergunta desse tipo porque se levantam acusações, insinuações e não me dizem por que, quando, como, onde e a troco de quê”.
E ainda se permitiu dar uma demonstração de erudição histórica: “Foi a partir da Revolução Francesa, se não me engano, foi com Napoleão: a culpabilidade, ao contrário do mundo medieval, o ônus da prova é de quem acusa”.
Isso posto, deixou-nos todos estarrecidos.
Em Brasília, um dos escalados para sair em defesa de Lula foi o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, para quem há uma “obsessão” na “tentativa de contaminar o presidente Lula”.
Trata-se, acrescentou, de um “desserviço”, pois Lula “deveria ter um tratamento mais respeitoso” e as pessoas deveriam “aguardar um pouquinho as investigações antes de colocar carimbos”. Como se “colocar carimbos” não fosse uma das especialidades dos petistas.
O avanço das investigações da Lava Jato na direção de Lula, reforçado pela anunciada decisão do Ministério Público Federal em São Paulo, também no caso do tríplex do Guarujá, de denunciar o ex-presidente à Justiça, obviamente deixa preocupados o Planalto e o PT, por razões distintas.
O governo, politicamente fragilizado, teme sobretudo que o desgaste de Lula se reflita negativamente na complexa operação política que está montando para garantir apoio parlamentar contra o impeachment.
Já o PT, que a rigor nem pode mais ser considerado o partido “do governo”, tem na liderança de Lula e em seu prestígio popular, que apesar de desgastado ainda é grande, a única esperança de evitar uma catástrofe eleitoral no pleito municipal deste ano e, quem sabe, a garantia de um mínimo de competitividade em 2018.
As perspectivas são, no entanto, desalentadoras tanto para o governo como para o PT. As investigações da Operação Lava Jato ingressam agora na fase crítica de envolvimento dos políticos de primeira grandeza, como Lula, e daqueles com foro privilegiado, como os parlamentares e altas autoridades governamentais.
É uma fase das investigações que ficou para o fim exatamente porque é mais complexa e politicamente complicada. Por isso, exige extremo rigor e perseverança nas investigações.
Mas os policiais e procuradores federais que esmiúçam o petrolão já demonstraram dedicação e competência para conduzir a bom termo sua difícil missão.
Provaram-no ao quebrar o tabu da impunidade dos proprietários e executivos das maiores construtoras do País, colocando-os atrás das grades, vários deles já sentenciados.
Provaram-no, principalmente, ao possibilitar que as decisões judiciais de primeira instância, como as tomadas por Sergio Moro, tenham um índice de mais de 95% de aprovação pelos escalões superiores da Justiça, inclusive a Suprema Corte.
Menos de 4% dos recursos das defesas foram aceitos até agora. É, de fato, hora de Lula colocar as barbas de molho.