Abraço de afogados 03/02/2016
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Consta da mitologia criada sobre Dilma Rousseff que ela foi, como vou dizer?, professora de marxismo.
Eu duvido um pouco. Em primeiro lugar, porque, fora o tatibitate do Marx escrevendo sobre ideologia ou relendo a história, aquele troço não é simples – o que não quer dizer que seja nem bom nem correto.
Mas fácil não é. Se, hoje, já bastante madura, a presidente tem um raciocínio notavelmente confuso, a gente pode imaginar como era quando tinha pouca experiência. Como sabemos, ela sempre perde a luta para a sintaxe.
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Raciocínio confuso costuma combinar com escolhas igualmente atrapalhadas.
Dilma chegou a ter a chance de se salvar, já escrevi aqui, lá pelo começo do ano passado. Deveria ter apeado do PT, enviado ao Congresso uma emenda parlamentarista e proposto um governo de coalizão.
Não o fez. Preferiu se agarrar ao partido. Está afundando junto com ele, e continuo a achar que não conclui o seu mandato.
O “esfriamento” do impeachment me parece aquela bonança que antecede a tempestade. O povo de verdade ainda não disse o que acha da crise.
A imagem de Lula se desintegra, se esfarela. E não porque alguém conspire contra ele, mas porque, a gente nota, o homem se mostra incapaz de dar explicações convincentes.
E que se note: isso só está em curso porque, finalmente, alguém teve a ousadia de cobrar. E, como se sabe, até agora, não foi Rodrigo Janot, não foi o Ministério Público Federal.
A Operação Triplo X, no que diz respeito a Lula, por enquanto, é apenas um trocadilho.
Eis aí. De novo, com um pouco de inteligência política, só um pouquinho, Dilma poderia tentar passar pela porta estreita e tentar se descolar de Lula.
Ocorre que ela se cercou de conselheiros… lulistas! E estes a convenceram de que ela só se salva se ele se salvar.
Por mim, acho o conselho excelente porque intuo que todos eles naufragarão juntos.
Ontem, na abertura do ano legislativo, Jaques Wagner, ministro da Casa Civil, conclamou parlamentares da base a fazer a defesa de Lula.
O ministro disse aos aliados que o ex-presidente é alvo de uma perseguição e que a história de Lula “precisa ser respeitada”.
Para muitos, a fala de Wagner teve um tom de desabafo, quase um pedido de ajuda.
Wagner só ecoava a cascata dos petistas no Senado, que decidiram argumentar abertamente não em favor de Lula, mas, até onde dá para entender, de sua inimputabilidade e, pois, da impunidade.
O petista Jorge Viana (AC) presidiu a primeira sessão do ano e mandou brasa, prestem atenção:
“Vamos tratar o presidente Lula com respeito porque ele merece o respeito por tudo de bom que fez pelo nosso povo, pelo nosso país. Vamos deixar o presidente em paz com sua família, sua esposa, Marisa, para que ele possa ter o direito de uma vida depois de ter sido presidente da República”.
Como? Observo que Viana nem mesmo se ocupou de declarar que Lula é inocente. Pede que o deixem em paz em razão da sua biografia.
Também fazendo de conta que nenhuma suspeita pesa contra o ex-presidente, Humberto Costa (PE), líder do partido no Senado, afirmou: “São ataques sistemáticos, que têm como objetivo desqualificá-lo como homem público e desconstruir a imagem de um presidente que deixou o cargo nos braços dos brasileiros, com mais de 80% de aprovação popular”.
Questão: se Lula tivesse deixado o poder com 100% de aprovação, isso lhe daria o direito de pairar acima das leis?
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), investigada numa operação parente da Lava Jato, também resolveu dar a sua opinião, aí com um pouco menos de, vá lá, sagacidade do que os outros.
E provocou: “Talvez vocês pudessem acusar o Lula de ter tirado 40 milhões de pessoas da miséria, de ter feito o maior programa de investimento em moradia popular que este país de já teve”.
Digamos que assim seja: Lula está se enrolando todo por isso?
Eis por que, apesar da aparente calmaria, eu duvido que Dilma vá conseguir sair do sufoco e salvar o próprio pescoço.
Os petistas ainda não se deram conta do quão velho e ultrapassado é esse discurso.
Vá às ruas, converse com as pessoas comuns, vejam a quantas anda a imagem daquele que eles insistem em tratar como demiurgo.
Em vez de se livrar da mistificação e recomendar a seus ministros que se mantenham longe dessa operação, que coisa de governo não pode ser, Dilma se deixa convencer de que ela só será salva se Lula conseguir recuperar o seu prestígio.