Ao deparar-se com as estatísticas oficiais, um incauto poderá crer que os governos estaduais destoam do panorama desolador das finanças públicas nacionais.
Afinal, eles obtiveram, no ano passado, uma sobra de caixa de R$ 9 bilhões, resultante da diferença entre sua arrecadação e as despesas de pessoal, custeio e investimento – um feito ainda mais notável quando contrastado com deficit de mais de R$ 100 bilhões do governo federal.
Um exame mais minucioso dos balanços dos Estados, porém, desmanchará a impressão positiva. Por meio de uma contabilidade, para dizer o mínimo, heterodoxa, boa parte das administrações incorporou a suas receitas recursos de depósitos judiciais.
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Trata-se, como se sabe, de dinheiro em disputa nos tribunais, mantido em conta bancária para assegurar o pagamento quando a causa (um questionamento de imposto devido, por exemplo) chegar a seu desfecho. Por óbvio, o poder público só será o detentor de tais verbas após eventual sentença a seu favor.
Graças a uma lei federal aprovada em 2015 e a uma série de regulamentos locais, os Estados puderam contornar a morosidade do Judiciário e avançar sobre os depósitos. Só o Rio de Janeiro, caso mais extremo, se valeu de ao menos R$ 6,7 bilhões em 2015 – leia-se três quartos do superavit conjunto dos governos estaduais.
Agora, o achado dos governadores parece ter inspirado a administração federal. Enviou-se ao Congresso projeto que permite à União apoderar-se de valores destinados ao pagamento de precatórios, como se chamam as indenizações, na maioria trabalhistas e previdenciárias, impostas ao erário por decisões da Justiça.
Amparadas pelo estratagema, as pastas da Fazenda e do Planejamento tomaram a liberdade de melhorar em R$ 12 bilhões as expectativas oficiais para o desempenho do Tesouro Nacional neste 2016; a cifra provém de fundos a serem formados com precatórios não sacados pelos credores.
É ocioso lembrar que, também nesse caso, lida-se com recursos de terceiros que, possível ou provavelmente, serão reclamados no futuro. Artifícios do gênero, ademais, têm impacto efêmero – as receitas fabricadas por lampejos de criatividade não se repetem nos exercícios seguintes.
Desde 2009, quando teve início a erosão dos Orçamentos públicos do país, tenta-se mascarar a piora com sucessivos improvisos contábeis, alguns graves a ponto de ameaçarem a aprovação das contas federais.
Há cada vez menos incautos; de tão repetidos, os truques agora só iludem seus próprios autores.