capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 24/11/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.944.925 pageviews  

Guia Oficial do Puxa-Saco Pra quem adora release...

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Cartas na mesa
06/03/2016 - Fernando Henrique Cardoso*

É preciso abrir o jogo: não se trata só de Dilma ou do PT, mas da exaustão do atual arranjo político brasileiro. E mais: o que idealizamos na Constituição de 1988, cujo valor é indiscutível, era construir uma democracia plena e um país decente, com acesso generalizado à Educação pública, Saúde gratuita e Previdência Social. Mais ainda, acesso à terra para os que nela precisassem trabalhar, bem como assistência social aos que dela necessitassem. A execução desse programa encontra dificuldades crescentes porque a estrutura estatal é burocratizada e corporativista. E também porque a sociedade não quer e não pode pagar cada vez mais tributos quando os gastos não param de se expandir.

Era inevitável que nos encontrássemos nessa situação? Não. Contudo, para evitar a crise do sistema de partidos e da relação Executivo/Legislativo, teriam sido necessários, no mínimo, os contrapesos da “lei de barreira” e da proibição de alianças partidárias nas eleições proporcionais, restrição aos gastos de campanha e regras mais severas para seu financiamento.

Mas não é só. A má condução da política econômica tornou impossível ao governo petista seguir oferecendo os benefícios sociais propostos, senão pagando o preço da falência do Tesouro. Não me refiro às bolsas, que vêm do governo Itamar, foram ampliadas em meu governo e consolidadas nos governos petistas: elas são grãos de areia quando comparadas com as “bolsas empresários” oferecidas pelos bancos públicos com recursos do Tesouro. Sem mencionar o grau inédito de corrupção, azeite que amaciou as relações entre governos, partidos e empresas e que deu no que deu: desmoralização e desesperança. Oxalá continue a dar cadeia também.


PUBLICIDADE


Diante disso, como manter a ilusão de que as instituições estão funcionando? Algumas corporações do Estado, sim, se robusteceram: partes do Ministério Público e da Polícia Federal, segmentos do Judiciário, as Forças Armadas e partes significativas da burocracia pública, como no Itamaraty, na Receita e em algum ministério, ou no Banco Central. Entretanto, no conjunto, o Estado entrou em paralisia, não só o Executivo, como também a burocracia e o Congresso. Este pelas causas acima aludidas, cuja consequência mais visível é a fragmentação dos partidos e a quase impossibilidade de se constituir maiorias para enfrentar as dificuldades que estão levando ao desmonte do sistema político.

Nada disso ocorreu de repente. Repito o que disse em outras oportunidades: na viagem que a presidente Dilma fez em 2013 para prestar homenagens fúnebres a Mandela, acompanhada por todos os ex-presidentes, eu mesmo lhes disse: o sistema político acabou; nossos partidos não podem ou não querem mudar; busquemos os mínimos denominadores comuns para sair do impasse, pois somos todos responsáveis por ele. Apenas o presidente Sarney se mostrou sensível às minhas palavras.

Agora é tarde. Estamos em situação que se aproxima à da Quarta República Francesa, cujo fim coincidiu com os desajustes das guerras coloniais, tentativas de golpe e, finalmente, a solução gaullista. Aqui as Forças Armadas, como é certo, são garantes da ordem e não atores políticos. É hora, portanto, de líderes, de pessoas desassombradas, dizerem a verdade: não sairemos da encalacrada sem um esforço coletivo e uma mudança nas regras do jogo. A questão não é só econômica. Sobre as medidas econômicas, à parte os aloprados de sempre, vai-se formando uma convergência, basta ler nos jornais o que dizem os economistas.

Mesmo temas sensíveis, nos quais ousei tocar quando exercia a Presidência e que caro me custaram em matéria de popularidade, voltam à baila: no âmbito trabalhista, como disse o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Gandra Martins, citando como exemplo o Programa de Proteção ao Emprego, comecemos por aceitar que o acordado entre os sindicatos prevaleça sobre o legislado, desde que respeitadas as garantias fundamentais asseguradas aos trabalhadores pela CLT. Enfrentemos o déficit previdenciário, definindo uma idade mínima para a aposentadoria que se efetive progressivamente, digamos, em dez anos. Aspiremos, com audácia, que um novo governo, formado dentro das regras constitucionais, leve o Congresso a aprovar algumas medidas básicas que limitem o endividamento federal, compatibilizemos gasto público com o crescimento do PIB e das receitas, e melhorem o sistema tributário, em especial em relação ao ICMS.

Dentre as medidas fundamentais a serem aprovadas, a principal é, obviamente, a reformulação da legislação partidário-eleitoral. O nó é político: eleições com a legislação atual resultarão na repetição do mesmo despautério no Legislativo. Há que mudar logo a lei dos partidos, restringindo a expansão de seu número, e alterando as regras de financiamento eleitoral para evitar a corrupção. Por boas que tenham sido as intenções da proibição de contribuição de empresas aos partidos, teria sido melhor limitar a contribuição de cada conglomerado econômico a, digamos, X milhões de reais, obrigando as empresas a doarem apenas ao partido que escolherem, e por intermédio do Tribunal Superior Eleitoral, que controlaria os gastos das campanhas. A proibição pura e simples pode levar, como ocorreu em outros países, a que o dinheiro ilícito, de caixa dois ou do crime organizado, destrua de vez o sistema representativo.

Ideias não faltam. Mas é preciso mudar a cultura, o que é lento, e reformar já as instituições. É tempo para que se verifique a viabilidade, como proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil e por vários parlamentares, de instituir um regime semiparlamentarista, com uma Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial. Só nas crises se fazem grandes mudanças. Estamos em uma. Mãos à obra.


....

*Sociólogo e ex-presidente da República

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
14/08/2023 - NONO NONO NONO NONO
11/08/2023 - FRASES FAMOSAS
10/08/2023 - CAIXA REGISTRADORA
09/08/2023 - MINHAS AVÓS
08/08/2023 - YSANI KALAPALO
07/08/2023 - OS TRÊS GARÇONS
06/08/2023 - O BOLICHO
05/08/2023 - EXCESSO DE NOTÍCIAS
04/08/2023 - GUARANÁ RALADO
03/08/2023 - AS FOTOS DAS ILUSTRAÇÕES DOS MEUS TEXTOS
02/08/2023 - GERAÇÕES
01/08/2023 - Visitas surpresas da minha terceira geração
31/07/2023 - PREMONIÇÃO OU SEXTO SENTIDO
30/07/2023 - A COSTUREIRA
29/07/2023 - Conversa de bisnetas
28/07/2023 - PENSAR NO PASSADO
27/07/2023 - SE A CIÊNCIA NOS AJUDAR
26/07/2023 - PESQUISANDO
25/07/2023 - A História Escrita e Oral
24/07/2023 - ESTÃO ACABANDO OS ACREANOS FAMOSOS

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques