Lula foi informado de que Fidel Castro tem câncer e está mal 05/08/2006
- Kennedy Alencar - Folha de S.Paulo
Autoridades cubanas transmitiram nesta semana ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a membros da cúpula do PT a informação de que o estado de saúde de Fidel Castro, 79, submetido a uma cirurgia na segunda-feira, é pior do que admitem publicamente.
Mais: disseram que o ditador pode ficar inabilitado para retomar o poder real, ainda que se recupere da doença -um tumor maligno no abdômen, segundo a versão com a qual o governo brasileiro trabalha.
Desde a noite de segunda-feira, quando a cirurgia provocada por um sangramento no intestino foi anunciada em nota assinada por Fidel e lida no rádio e na TV oficiais da ilha, o governo cubano não divulgou informações detalhadas sobre o estado de saúde dele.
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A falta de informação foi justificada pelo próprio Fidel, numa segunda nota atribuída a ele e divulgada na terça, pela necessidade de o país proteger-se do inimigo externo (os EUA).
¨Parece que vamos perder o nosso amigo¨, disse Lula a um auxiliar, depois de ser informado da gravidade do estado de saúde do ditador, segundo a Folha apurou. Relatos de Havana recebidos reservadamente dão conta de que ele está ¨bem mal¨.
Fidel completa 80 anos no dia 13. Há temor em Havana de que ele não se recupere ou de que não haja tempo para que volte a exercer o poder de forma centralizada. Ao ser operado, Fidel transferiu seus cargos a seu irmão Raúl Castro, pela primeira vez em 47 anos. Raúl assumiu as funções de primeiro-secretário do Comitê Central do PC, comandante-em-chefe das Forças Armadas e presidente do Conselho de Estado e de Governo.
Abalado, Lula pediu discrição à sua equipe. Disse a amigos que Fidel é um homem forte e que torce por sua recuperação. Segundo avaliação do Palácio do Planalto, a doença de Fidel detonou um processo de transição de poder que não será interrompido.
Acredita-se, no entanto, que o afastamento do governante cubano não levará a um cenário de colapso, como viveram os regimes socialistas do Leste Europeu na virada dos anos 1980 para os 1990.
Para a cúpula do governo e do PT, o ministro das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, 41, é o nome mais forte para compor com Raúl Castro, 75, a espinha dorsal de um novo esquema de poder.
Ex-secretário de Fidel e extremamente leal ao ditador, Felipe, como o chamam os petistas, é afinado com as idéias do Partido Comunista, mas saberia que será inevitável uma flexibilização do regime, pelo menos na área econômica.
Lula e o PT têm antigos laços políticos e de amizade com Fidel e Cuba. Os petistas sempre defenderam o regime castrista, minimizando a falta de eleições e a repressão aos dissidentes. O PT e o governo sempre condenaram o embargo econômico dos EUA à ilha caribenha, imposto em 1962.
Lealdade
Lula disse a auxiliares que Fidel tem sido um amigo das ¨horas difíceis¨. Lembrou-se das visitas que ele lhe fez depois de perder duas eleições presidenciais (1989, para Fernando Collor de Mello, e 1994, para Fernando Henrique Cardoso).
Fidel sempre retribuiu a amizade e afeição petistas. Em setembro de 2003, quando o presidente brasileiro viajou a Havana, ele disse aos jornalistas: ¨Cuba está muito honrada. Foi a melhor visita que já tivemos¨. O último encontro dos dois foi na cúpula do Mercosul na Argentina, em julho, para a qual Fidel foi convidado.
Na visita do presidente brasileiro a Havana, numa cerimônia no Palácio da Revolução, o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, chorou ao se encontrar com Fidel, a quem sempre disse dever a vida. Em 1968, Dirceu foi um dos 15 presos políticos libertados no episódio do seqüestro do então embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick.
Dirceu se exilou em Cuba, onde fez treinamento de guerrilha e usou o codinome de Daniel, pelo qual é chamado por Fidel. Na ilha, fez uma plástica que alterou suas feições e permitiu sua volta para uma vida clandestina no Paraná. Antes da Lei da Anistia, em 1979, Dirceu retornou a Cuba e desfez a cirurgia.
Em nota, governo nega
O governo brasileiro, por meio de uma nota, negou que o presidente tenha recebido tais informações.
Segue a transcrição:
¨Nota da Presidência da República
Não tem a menor procedência as informações publicadas hoje na Folha de S. Paulo sob o título ¨Cubanos disseram a Lula que Fidel têm câncer¨. O presidente da República, que acompanha a situação do presidente cubano, por meio do Ministério das Relações Exteriores, em nenhum momento foi informado por autoridades cubanas, ou quaisquer outras, sobre o suposto diagnóstico referido no jornal¨.
André Singer, secretário de Imprensa e Porta-Voz da Presidência da República.¨