Em junho de 2002, quando esquentava a campanha presidencial, o banco de investimentos Goldman Sachs enviou uma newsletter a clientes e parceiros introduzindo o "Lulômetro".
Idealizado pelo analista Daniel Tenengauzer, da equipe de estratégia para mercados emergentes do banco, o Lulômetro consistia originalmente numa ferramenta orientada a estimar o valor futuro da moeda brasileira.
O modelo combinava, em equações, índices de mercado a cenários alternativos de vitória dos candidatos Lula ou Serra.
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O termo Lulômetro, no entanto, rapidamente ganhou dimensão mais ampla daquela gestada em Wall Street. Tornou-se símbolo de uma ojeriza generalizada por parte dos mercados a propostas econômicas tradicionalmente advogadas pelo PT.
Tais pressupostos, em diferentes épocas, combinaram amplo intervencionismo e heterodoxia na macroeconomia, estatismo e estatização, e calote da dívida externa (embora essa última bandeira já não fizesse parte do cardápio de propostas em 2002).
Muito do temor ante a eventual vitória de Lula se precificava na moeda brasileira e no risco-país. Alarmada com esse quadro, a direção do PT enviara emissários para interlocuções junto a bancos de investimento, seguradoras e agências de classificação de risco nos EUA.
Dentre esses emissários destacou-se o próprio José Dirceu, então presidente do PT e articulador-mor da campanha de Lula ao Planalto.
Em vários salas de Wall St., mas também em think-tanks de Washington, como o Instituto Peterson de Economia Internacional, comentava-se que o melhor para o PT não era ganhar as eleições de outubro.
Caso isso acontecesse, o Brasil arriscava experimentar uma corrosão semelhante em forma, mas muito maior em proporção, àquela que vitimou a Argentina em 2001-2002.
Foi nesse contexto que o PT circulou a "Carta ao Povo Brasileiro". No limite nada mais do que a tentativa de "desplugar" o Lulômetro.
Embora se possa ler o documento como compêndio de alguma sensatez (ali se fala, por exemplo, em reforma fiscal), muito do mercado preferiu ver na adesão de alguns empresários e figuras políticas ao centro uma âncora mais segura a evitar barbeiragens econômicas por parte do PT.
Stanley Fischer, na época no Citibank, mais tarde presidente do Banco Central de Israel e hoje número 2 do FED, dizia que a presença do Senador José Alencar na chapa de Lula representava mais pela estabilidade do Brasil do que —referindo-se à Carta do Povo Brasileiro— aquele "pedaço de papel".
Mas o que realmente arrefeceu o Lulômetro ao longo dos primeiros movimentos do governo petista foi a prática concreta de preservar princípios de boa macroeconomia adotados durante o período FHC.
Isso se fortaleceu com a presença de um gestor respeitado como Henrique Meirelles no BC, Luiz Furlan no Desenvolvimento, Roberto Rodrigues na Agricultura e uma equipe na Fazenda com nomes como Joaquim Levy.
E, claro, ajudava muito um ambiente global ávido por commodities em que o Brasil dispunha de vantagens comparativas.
Hoje, não é mais possível, interna ou externamente, reproduzir as condições de temperatura e pressão que permitiram uma lua de mel entre o PT e a economia.
A reação vigorosamente alérgica dos agentes econômicos à eventual participação de Lula no coração das decisões econômico-políticas do dizimado governo Dilma faz pensar na ascensão de uma lua de fel entre o Brasil e os mercados.
Para além das considerações éticas e judiciais, a ideia de Dilma terceirizar o governo nas mãos de seu antecessor é péssima, já que o próprio Lula não tem para quem terceirizar a gestão do país.
Será que algum economista minimamente sensato ocuparia uma posição de liderança num governo que chegou a esse ponto?
Alguém topa implementar o piromaníaco acervo de insensatez econômica defendida pelo PT denominado "O futuro está na retomada das mudanças"?
Algum grande empresário ou associação empresarial, por mais adesista que seja, daria as mãos ao governo Lula-Dilma num receituário que prenuncia uma guinada heterodoxo-bolivariana?
Em meio a mais uma década perdida, tudo de que o país não precisa é um confronto estéril e potencialmente devastador com os mercados.
O Brasil não merece um Lulômetro 2.0.
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*Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.