O fugitivo, a rainha e os cidadãos 21/03/2016
- DENIS LERRER ROSENFIELD*
O fundador de uma dinastia partidária subira na vida política graças a seu carisma pessoal, que o levara ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja Católica, que o apoiava, e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares. Conseguiu ardilosamente vender a ideia – falsa, aliás – de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, num acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas do antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.
Mas a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído da ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte – militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Não faltaram os “bobos da corte”, na verdade, um bando de espertos que passaram a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.
Passado um tempo, o rei e seu grupo partiram para a etapa seguinte, a apropriação privada dos bens públicos, com seus membros aparelhando o Estado, numa espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, e muitos acreditaram, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, suas empresas e as leis.
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A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, até esqueceram as leis do reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isso era coisa de “burguês”, termo usado para qualificar qualquer inimigo deles. Na visão deles, não havia mais adversários, mas tão somente inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.
O rei tornou-se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção do seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou-se o império de dom Lula da Silva, o Onipotente.
Curioso que o rei se apresentava como metalúrgico, embora o tenha sido por curtíssimo período, pois logo se tornou sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve aquela imagem, porque lhe era útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.
Entretanto, o reino guardava um traço democrático, a realização de eleições periódicas para a renovação dos quadros dirigentes. Tratava-se de uma espécie de monarquia eleitoral. Ante tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora tenha cogitado, optou por um esperto estratagema: uma sucessora que seria sua criatura.
Crédulos, os súditos aceitaram sua escolha e a ungiram. Nomearam-na dona Dilma, a Desconexa. A trama política consistia no retorno dele no futuro próximo. Acontece que sua criatura pôs os pés pelas mãos como se diz no popular. Gastou o que o reino não tinha, maquiou as contas públicas, pôs o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu perigosa inflação. Um desastre total.
Nesse meio tempo a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaram-se incrédulos no culto dominante. As manifestações se iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas.
Estarrecidos, descobriam que as contas públicas se haviam tornado privadas, apropriadas pelo rei, por sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Juntos, todos participavam do festim dos bens públicos. Para os súditos, as migalhas!
Começaram, então, um impecável trabalho de resgate do império da lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, de uma oligarquia vestida com as roupagens de “esquerda” com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.
O ex-rei, embora vendesse aos crédulos – cada vez menos numerosos – a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam-se sem cessar, até que um “iluminado” – de poucas luzes – lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados: por que não fazer do ex-rei o vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha?
Esta teria inicialmente hesitado em aceitar tal proposta, uma vez que poderia tornar-se mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer a “escolha” entre ser figurante e coisa nenhuma, porque se arriscava a perder todo o seu poder.
Acontece que a impunidade tinha acabado no reino. Ninguém estava mais fora do alcance da lei. Dom Lula da Silva, o Onipotente, não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.
A questão era: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético!
Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se esse fosse um lugar onde as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam no seu encalço. Manobra pueril.
Os ministros da Corte Máxima, insultados por dom Lula, o Onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável havia sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta!
Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!