O Outono de nossa confusão 28/03/2016
- Fernando Gabeira - O GLOBO
Percebi que, aos poucos, a luz está ficando mais suave. Daqui a pouco, a água esfria e entramos nas maravilhosas manhãs de abril e maio.
O verão foi embora e quase não nos demos conta dele, ouvindo discursos da Dilma, vendo Lula fugir da polícia e Eduardo Cunha mover-se como um velho dinossauro nos tapetes do Salão Verde.
Ele nos trouxe uma sinistra novidade: o vírus Zika surgido no bojo do crescimento das doenças causadas pelo Aedes aegypti.
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Verão do El Niño, verão confuso o bastante para contaminar o outono. Nessa chuva de argumentos e versões, é uma tarefa importante desfazer os mitos. Dilma e seus aliados dizem que o impeachment é um golpe.
Ministros do Supremo afirmam que impeachment não é golpe, quando realizado de acordo com a Constituição. Quem disser que o impeachment é golpe estará ignorando a própria Constituição, ou se rebelando contra ela.
Daqui a pouco, os governistas dirão que as pedaladas não são um crime de responsabilidade.
A Lava Jato já expôs a base legal da queda de Dilma. Sua campanha usou dinheiro do Petrolão. As provas são os recursos que a Odebrecht pagou ao marqueteiro João Santana, e mais detalhadas ainda ampliam-se na delação premiada da Andrade Gutierrez.
Para não abandonar a expressão golpe, o governo terá de lançar mão do mesmo oximoro inventado após a queda de Fernando Lugo no Paraguai: golpe constitucional.
Num discurso para sindicalistas, Lula pede à oposição uma trégua de seis meses para o Brasil voltar a ser alegre.
Não sei a que tipo de alegria ele se refere. Com mais seis meses de Dilma, estaremos arruinados e não restará nem vestígio da alegria brasileira.
Pelo que vi no Congresso, o impeachment segue seu rumo. O único incômodo, para mim, é ver Eduardo Cunha presidindo o processo.
O Supremo poderia nos ajudar, tirando-o de lá. Há provas abundantes. Haveria apenas um pequeno transtorno, desses que vemos nas obras: desculpem, mas é para o próprio bem do usuário.
A Lava Jato segue, sob pressão intensa. O vazamento da lista de mais de 200 políticos na planilha da Odebrecht foi uma tentativa de deslegitimizá-la, ampliando o front dos descontentes. A lista só teria valor se houvesse clareza sobre a legalidade da doação.
Houve um tempo, não muito longe, em que a Odebrecht era considerada uma doadora legítima. Conferia até certo prestígio à lista das doações.
No mesmo período em que a lista vazou, a Odebrecht comunicava que faria uma contribuição definitiva, uma delação premiada. Isto sem combinar com os procuradores, nem iniciar negociações com eles.
Quando a lista for adequadamente investigada, será preciso separar quem recebeu doações legais, quem recebeu ilegais e quem tinha influência nas obras tocadas pela Odebrecht.
O Brasil amadureceu para não cultivar bandidos de estimação, nem no governo nem nas forças contrárias a ele. Tudo será esclarecido sem que se perca o foco: os saqueadores da Petrobras e um governo que afunda o país a cada dia.
A aliança das empreiteiras com governos no Brasil é antiga. No meu entender, é responsável pela fragilidade de nosso planejamento. São elas que ditam o rumo.
Estavam organizadas num cartel chamado Sport Clube Unidos Venceremos. Unidos perderam. E naufragaram junto com o governo do PT que as levou a um nível de sofisticação e deboche sem paralelo na História.
Os próprios apelidos com que os diretores da Odebrecht tratavam os políticos agraciados revelam como viam todo o sistema de doações como uma farsa. O discurso público era de viabilizar eleições democráticas.
Numa semana mais calma, comparada às que virão, posso refletir um pouco sobre como o impeachment é apenas uma condição para que o Brasil comece a mudar na direção de uma verdadeira democracia.
Os que defendem Dilma em nome da democracia omitem o mensalão e o Petrolão, verdadeiros ataques à democracia.
O que adiantava estar no Congresso debatendo com deputados previamente comprados pelo governo?
De que adianta fazer campanha contra máquinas poderosas, azeitadas pelo dinheiro da corrupção?
Este tipo de democracia é uma fraude. Sei porque vivi intensamente todos esses anos, desde a retomada da democratização.
Na verdade estou até escrevendo um livrinho, “Democracia Tropical, cadernos de um aprendiz”.
A expressão aprendiz não é fortuita. No século passado, desprezávamos a democracia e lutávamos pela ditadura do proletariado.
Quando vejo um militante de esquerda, como Guilherme Boulos, dizer que seu movimento vai incendiar o país em caso de impeachment, leio incendiar o país contra a Constituição.
Só espero que a violência contra a democracia seja tratada com todos os instrumentos democráticos. Não cair na tentação de atropelar a lei.
O consenso democrático é uma força tranquila, à altura da paz dominical das grandes manifestações pelo impeachment.
Não creio que a oposição dará a Lula seis meses de trégua.
Sinceramente, daqui a seis meses ninguém sabe onde estará.
Começou o outono, e de Curitiba costumam soprar ventos frios.