A defesa de Dilma 05/04/2016
- Miriam Leitão - O GLOBO
Ministro falhou no tema principal, que era justificar as pedaladas de Dilma. O ministro José Eduardo Cardozo começou com muita ênfase nas preliminares, foi convincente nas críticas que fez ao presidente Eduardo Cunha, mas ficou mais fraco exatamente na hora de falar das pedaladas.
Ele negou que o governo Dilma tenha feito operações de crédito com os bancos públicos e repetiu que foram atrasos. Não existe atraso de R$ 72 bilhões. A quantidade, no caso, altera a qualidade da operação.
Ao defender a presidente no comitê do impeachment, Cardozo argumentou que "todos fizeram". Isso é lamentável para um jurista. E nem é verdade.
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A Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibiu operações de crédito com bancos públicos, foi proposta pelo governo Fernando Henrique. Ele não propôs a lei para descumpri-la e sim para estabelecer uma nova ordem na relação entre o controlador e o banco controlado.
Teve que lutar pela aprovação da lei à qual o PT se opôs e contra a qual foi ao Supremo. Apesar desta oposição à lei, o TCU não tem registro de que Lula tenha feito essas operações que a sua sucessora fez. E é impossível que os governadores tenham efetuado esta específica operação porque bancos estaduais foram federalizados e privatizados.
Cardozo falou apenas do Plano Safra do Banco do Brasil, mas quando ao fim de 2015 o governo zerou tudo o que tinha ficado pendente de 2014 e 2015 o Tesouro pagou ao Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES e FGTS. Foram os R$ 72 bilhões pagos no último dia útil de 2015.
O raciocínio do advogado-geral da União é o seguinte: não foram operações de crédito, foram apenas atrasos, não é crime porque todos os outros governantes fizeram, não teve dolo porque não houve má-fé, não foi praticado por ela diretamente, mas pelos seus subordinados. Além de cada parte do raciocínio negar a parte anterior, tem o fato de que ele quer que acreditemos que o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro agiram à revelia da presidente. E que apesar das inúmeras matérias, colunas, artigos alertarem para a violência fiscal que estava sendo cometida, ela permaneceu ignorando os fatos.
Na parte econômica, Cardozo dedicou mais tempo à questão dos decretos de abertura de crédito suplementar, argumentando que todos o fizeram antes, e fazem hoje em outras instâncias administrativas. Citou inclusive o governador tucano Geraldo Alckmin. Pode ser que tenha razão e que, apesar de proibido, tenha virado prática sistemática.
Não faz sentido o argumento de que a meta fiscal nada tem a ver com o orçamento. Não se atinge a meta fiscal se não for através do controle de gastos. Na execução orçamentária há a obrigação de que de dois em dois meses seja feita uma reavaliação de receitas e despesas. O governo Dilma gastou e depois conseguiu no Congresso formas de aceitar o descumprimento da lei. Em 2014, o governo chegou ao ponto de pedir uma licença para nem ter meta fiscal. Ao fim daquele ano, o desequilíbrio era tal que o governo pediu não uma nova meta, mas uma licença para fazer o desconto do tamanho que quisesse na meta. Em 2015, ele aprovou uma meta sob medida para caber todo o rombo que havia produzido.
Se o governo quiser acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal proponha sua extinção e assim terá realizado o projeto que tinha ao entrar na Justiça contra a LRF em 2000. Mas o governo Dilma a desrespeitou e agora diz que não foi nada, foi sem dolo, nem viu, e nem é tão grave assim.
O advogado-geral da União acusou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de ter agido por vingança e usou a imprensa para sustentar seus argumentos. Os jornais de fato registraram os eventos desta forma: ao não ter o apoio da bancada do PT no Conselho de Ética ele anunciou a aceitação do pedido de impeachment. Ele acusou Cunha de "abuso de poder".
Outra tese que o governo sustenta - e neste ponto Cardozo se apoiou na decisão de Cunha, porque favorece o governo - é que só podem ser considerados atos de 2015. Os juristas que o digam, mas no caso da economia há uma continuidade de eventos. A desordem que ela fez nas contas públicas no fim do primeiro mandato, com o objetivo de ser reeleita, pesa até hoje sobre os ombros do país em forma de inflação, recessão, desemprego e dívida pública crescente.