O humor está derrubando o governo 06/04/2016
- ROBERTO DUAILIBI*
Mais uma vez o humor popular exerce pressão sobre a seriedade e a circunspecção da burocracia. No Brasil de hoje, vivemos esse fenômeno de maneira intensa e histórica. As piadas, a dança, a música e as charges são armas mais poderosas do que toda a verba de propaganda do governo e o pagamento milionário a marqueteiros.
As anedotas, que nascem espontaneamente, ganharam hoje no Brasil uma dimensão enorme graças à internet. Principalmente com as redes sociais, ela permite que todos os lados adquiram voz, e acredito que conseguimos o que muitos reclamavam: meios de comunicação realmente democráticos e abertos.
Embora Umberto Eco tenha notado que a internet abriu as portas para toda a imbecilidade humana, no caso da comunicação política vemos isso entre todos os participantes, mas especialmente entre aqueles que querem manter a excessiva seriedade num meio que se impôs como uma continuação da televisão, que é fundamentalmente um veículo de entretenimento.
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O Brasil tem uma tradição da presença do humor nas disputas políticas, desde o surgimento da imprensa no país. Pela crítica humorística passaram os imperadores, principalmente dom Pedro 2º, e os presidentes republicanos, ditadores ou democráticos.
Getúlio Vargas usou o humor a seu favor, patrocinando anedotas e músicas que exaltavam o trabalho. Jânio Quadros era ele próprio criador de piadas e tiradas. Quem pode esquecer o "fi-lo porque qui-lo"?
No regime militar houve um recrudescimento de piadas, apesar da censura. Os maiores alvos de risadas foram os generais Arthur da Costa e Silva e João Baptista Figueiredo – este foi perseguido a vida toda pela sua boutade "prefiro cheiro de cavalo ao cheiro do povo!".
Neste ano de 2016, no entanto, as charges, os filmetes e as montagens fotográficas adquiriram uma dimensão enciclopédica, com prevalência do lado da oposição. Por muito tempo, nada será comparável à invenção devastadora do Pixuleco, um resumo da crítica mordaz – uma charge genial em três dimensões transposta das portas de borracharia para as manifestações de rua.
Dilma e Lula se tornaram personagens arlequinescos, não porque o humor tenha os moldado dessa forma, mas porque eles próprios se fizeram arlequins. As tentativas de seus correligionários de responder com humor resultaram em esforços ridículos e inúteis.
São sérios demais para expor um mínimo de bom humor. O uso de expressões como "golpistas", "não passarão" e "fascistas" e a obsessão com a sigla FHC demonstram a disparidade criativa entre os grupos.
Na manifestação pró-governo de 18 de março, por exemplo, não havia um cartaz, uma camiseta que revelasse bom humor. Na verdade, deles todos, o único que revelou bom humor e capacidade de improviso acabou sendo o próprio Lula, com suas tiradas, suas metáforas e com a criação de imagens.
O problema talvez seja a ausência de um alvo claro e relevante. Nenhum de seus adversários tem essas características. Aécio Neves, Geraldo Alckmin, Sergio Moro, Fernando Henrique não são alvos suficientemente poderosos para que haja concentração de ataques.
Se alguém tiver paciência para colecionar as várias anedotas que povoam hoje as redes sociais, produzirá um documento revelador de um momento importante da história contemporânea do Brasil.
Perceberá também o surgimento de um poderoso meio de comunicação que deu voz a todos, os descritos por Umberto Eco e o resto de nós, e do qual nenhum governante estará livre daqui por diante.
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*Publicitário, integra o conselho administrativo da agência DPZ&T e é membro da Academia Paulista de Letras.