O beijo da tirania 11/04/2016
- Valentina de Botas - Veja.com
O Encontro com Mulheres em Defesa da Democracia, outra ilegalidade no Palácio do Planalto em descarada reincidência da presidente, me fez pensar na expressão do inglês blind date para um encontro em que as partes não se conhecem porque as mulheres presentes não fazem ideia do que é democracia. Marcia Tiburi, uma delas, num vídeo nas redes (anti)sociais e num artigo, afirma que a loucura atribuída à presidente por uma revista é machismo da publicação e que a louca apontada em Janaína Paschoal num ato pró-impeachment, adverte a filósofa candidata à chauí, é fascista.
Achando que gênero tem lado, releva o delírio arrogante de uma criminosa e acusa uma mulher de campo ideológico divergente, defensora da lei, de ter um discurso “pobre”, “cheio de ódio” que leva a “uma caricatura política” pela “falta de argumentos”. Saiba a feminista seletiva que não é na ira santa de Janaína que o Congresso se baseará para destituir a presidente legalmente, mas em argumentos irrespondíveis e fundamentação jurídica impecável apresentados pela advogada e professora de direito com Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo.
O mulherio acumpliciado com Dilma na privatização criminosa do Palácio do Planalto provou que a democracia convidada para o encontro é coisa sombria em que vale tudo, deformada para justificar ou relevar crimes que, portanto, é só tirania. Novamente, o mais torpe dos princípios, o de que os fins justificam os meios. É curioso, e nojento, como essa gente abstrai que regimes autoritários se autolegitimam pela anulação do contraditório. Cúmplice no crime que não via, Tiburi denunciava um crime imaginário – “ataques à democracia do nível de um estupro político” –, pretextando que nada mais é além de machismo afastar uma criminosa do poder.
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Ora, Dilma tem à disposição instrumentos legais para deter os tais estupradores; não o faz porque sabe que, a despeito das estocadas contra as instituições perpetradas pela escumalha que integra, não impedirá nossa liberdade. Como essa baixaria está à altura do caráter da governante, ela segue berrando contra o golpe inventado e acumulando crimes. No blind date, esclarecendo como entendem a democracia e a igualdade entre os gêneros, as mulheres chamaram alguns homens para expulsar uma cidadã que ousou adentrar o prédio patrimônio de todos os brasileiros e brasileiras.
Sob gritos de “fora fascista”, pobres, cheios de ódio, que levam a uma caricatura política pela falta de argumentos, mostraram a Kelly Cristina, conhecida como Kelly Bolsonaro porque fã do deputado, que não reconheceram a democracia que desconhecem. A permanência de Kelly demonstraria a inexistente tolerância à diferença, tão celebrada na logorreia das esquerdas fascistoides que denunciam no outro o que as constitui.
A pose cool seduz muita gente tipo assim bacana, mas está a serviço do maniqueísmo das esquerdas totalitárias, submetendo feminismo, democracia e outros apelos que enfeitam o discurso viciado, previsível, pedante, chato, bocó e, sobretudo, falso de modo autodemonstrável: Tiburi afirma em um livro que é difícil conversar com um fascista porque ele não quer diálogo, precisamente como não quiseram com Kelly.
Não o li, enquanto a tirania com que essa gente sonha não se abater sobre o país, nada nem ninguém me obrigará a ler um livro prefaciado por Jean Willys, figura tão tosca quanto o ídolo de Kelly – mas nenhum dos dois radicais deveria ser expulso de um ato a favor da democracia porque esta se legitima no convívio dos contrários. No vídeo, Tiburi preconiza a cura para os fascistas: beijar na boca alguém do mesmo sexo. Beijar é o bom da vida, mas é inócuo como remédio para o fascismo, este deve é ser desmascarado: por que Márcia não beijou Kelly ou Janaína em vez de as expulsar física ou moralmente do debate? Porque a pose bacana das esquerdas progressistas em truculência se volatiza na prática histórica concretizada na expulsão do dissidente e no beijo da tirania.