E agora, Michel? 20/04/2016
- Alexandre Schwartsman - Folha de S.Paulo
E agora, Michel? A festa acabou, a luz apagou, a presidente se foi e o Brasil caiu no teu colo... E agora, Michel?
Depois de anos de maus-tratos, cabe agora ao vice-presidente achar uma saída para a armadilha em que o país foi colocado por uma administração particularmente inepta, num país em que inépcia não chega a ser uma raridade (as paredes da sala de reuniões do Conselho Monetário Nacional, decoradas com retratos dos ministros da Fazenda, são um triste testemunho disso).
A agenda é extensa. Para começar, enquanto o setor público registra hoje um deficit primário próximo a 2% do PIB (cerca de R$ 130 bilhões a preços de fevereiro de 2016), um cálculo conservador sugere que, para impedir que a dívida pública continue a crescer, seria necessário gerar um superavit primário também da ordem de 2% do PIB (e isso em condições bem mais favoráveis do que as que prevalecem hoje). Falamos, assim, de um ajuste fiscal necessário em torno de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões.
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Obviamente ninguém espera que qualquer governo seja capaz de promover um ajuste dessa magnitude num período curto. Mesmo governos que fizeram correções consideráveis nas contas públicas não chegaram sequer perto desse valor.
Entre o final de 1998 e o começo de 2001, por exemplo, registrou-se (a preços de fevereiro) uma melhora pouco superior a R$ 110 bilhões (do quais o governo federal contribuiu com menos da metade).
Já entre o final de 2002 e o final de 2004, houve melhora de R$ 27 bilhões (dos quais R$ 25 bilhões do governo federal). Em ambos os casos, note-se, o aumento da receita desempenhou o papel central.
Em contraste, hoje o orçamento federal se encontra ainda mais engessado, com mais de 90% das despesas já devidamente contratadas antes do começo do ano fiscal, enquanto o espaço para aumento das receitas é muito menor do que no passado.
Não há saída convencional para o problema que não passe, portanto, por reformas profundas, da questão previdenciária (idade mínima, regimes especiais, etc.) às vinculações orçamentárias, todas da alçada do Congresso Nacional.
À parte essa tarefa, por si gigantesca, há ainda muito que reformar no país. Uma lista (incompleta) incluiria:
a) mudanças trabalhistas, permitindo que acordos voluntários entre as partes se sobrepusessem à lei;
b) reforço à competição, tanto doméstica quanto internacional, para estimular o crescimento da produtividade;
c) reforma tributária, no mínimo reduzindo os impostos sobre valor adicionado a apenas dois (um IVA federal, outro estadual), com simplificação de alíquotas e cobrança no destino;
d) alteração no regime de concessões, estimulando a concorrência, entre outras tantas.
A conclusão não poderia ser mais óbvia: em que pese a reação eufórica, e até certo ponto justificada, do mercado à deposição da "presidenta incompetenta", parece haver um claro exagero quanto ao que se espera do novo governo. Tirar o bode da sala ajuda, mas está longe de resolver o problema.
Finalizo com um apelo pleno de rancor: por favor, mantenham Alexandre Pombini, perdão, Tombini no BC. Ele não precisa sequer votar no Copom, mesmo porque não ajudaria, mas teria imensa satisfação pessoal de vê-lo assinar mais uma carta explicando novo descumprimento da meta para a inflação.