O carcará e o ratinho 30/04/2016
- Blog de José Nêumanne Pinto
O sobrenome Calheiros tornou-se notório no noticiário policial dos telejornais no começo dos anos 1980, mercê do conflito sanguinário iniciado com a morte de Henrique Omena, cabo violento da truculenta PM alagoana.
O prenome Renan, em homenagem ao grande historiador francês das origens do cristianismo, ganhou mais notoriedade ainda depois que os tiroteios cessaram, talvez, quem sabe, por escassez de vivos a tocaiar.
Tudo isso se passou à sombra do alagoano nascido no Rio de Janeiro Fernando Affonso Collor de Mello, quando este, dito “Carcará Sanguinolento”, foi eleito presidente da República no fim daquele mesmo decênio.
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Tendo o já então ex-chefe sido deposto, contudo, o antigo faz-tudo estava fora do bando, servindo a outras bandas da política pelas mãos de Zé de Ribamar, dito Sarney, maestro da velha UDN, da Arena da ditadura e do PMDB da resistência.
E lá foi Renan ser ministro da Justiça do tucano Fernando Henrique Cardoso e presidente do Senado pelo PMDB, na base de apoio de Lula e Dilma Rousseff, aos quais serviu com astúcia, eficiência e sucesso.
Teve de renunciar à presidência do Senado, ao protagonizar escândalo em que foi acusado de receber propina de empreiteira para sustentar uma filha e a mãe dela numa relação fora do casamento.
Mas ele voltou por cima e neste momento preside o julgamento do impeachment da quase ex-presidente Dilma, posando de varão de Plutarco, mesmo assentado em nove processos sob a égide do procurador-geral da República, Rodrigo Janot – cuja recondução ao cargo foi providenciada por ele no Senado – e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Não é pouco, mas até agora não lhe causou grande mossa. Afinal, Dilma, alvo do rumoroso processo, ainda hoje trata como inimigo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do mesmo partido de Renan e como ele egresso da base governista. Ainda que a Casa tenha decidido por acachapante votação mandar o processo direto para o colo do solícito anjo da guarda das pretensões de permanência da madama chefona.
Faz tempo que o rebento dos Calheiros, acusados de terem mandado matar o advogado e político Tobias Granja, está a merecer o título de Carcará Sanguinolento.
Pois viu o ex-patrão reduzir-se a insignificante ratinho domesticado. De posse da paróquia de São Gregório, por ter consagrado no Congresso a prática de perder mais tempo discutindo prazos do que se inteirando de acusações e provas, fazendo-o vassalo do calendário gregoriano, tornou-se o grande Inquisidor.
Em suas mãos repousa o poder de acender a fogueira para incinerar o desastrado desgoverno dilmolulopetiista. Foi assim que o pai do atual governador de Alagoas, chamado de Renan Filho como convém numa oligarquia nordestina, e eleito sob a sombra paterna e em pleno gozo da herança de abundância da água fresca até no sertão, tornou-se o negociador-mor da República.
“O diálogo”, diz ele, “fortalece a democracia”.
Renan não é definitivamente um fofo?
Em vez de se ater a fatos e a autos, Sua Excelência passeia pelo Eixo Monumental de Brasília a se reunir com gregos e baianos para produzir o consenso da paz dos cemitérios, em que se enterram empregos e negócios, também denominador comum do qual ele espera tirar proveito político.
Principalmente uma anistia por serviços prestados em todos os delitos dos quais é acusado.
Renan não privilegiou lado algum: conversou com a presidente prestes a ser processada, com o vice-presidente pronto para ser empossado e com o colega do clã de São João del Rey, na Minas histórica, que ora preside o tucanato emplumado.
E essa empalhada empulhação com cara de conciliação nacional na hora da crise e do pugilato teria de começar por um colega de prontuários.
O tribuno que chefia a Mesa do Congresso Nacional trocou afagos públicos com Luiz Inácio Lula da Silva.
Este é apontado em nota oficial da força-tarefa da popular e impiedosa Operação Lava Jato como um dos “principais beneficiários” da roubalheira que levou a Petrobras à lona e o Brasil às cordas.
Foi o encontro do profeta da fome com o faquir da vontade de comer. Ambos, não por acaso, desejam o mesmo fim inglório para a república de Curitiba, chefiada pelo juiz que virou herói no império capitalista pelas páginas do semanário cujo nome significa o tempo todo: Time.
Da conversa de investigados pela polícia e pela Justiça escapoliram cochichos inconfidentes, como a de que Lula flertou com o desvio da Constituição representado pela antecipação de eleições.
Mas foi lá mesmo para se alistar como voluntário na empreitada pacificadora de nosso moderno Bernardo de Vasconcelos no interregno entre Primeiro e Segundo Impérios, além de herdeiro de Tancredo Neves, fundador da Nova República, no enterro da ditadura militar.
Pouco importa, se no dia anterior àquele em que o ex-líder sindical fumou com ele o cachimbo da paz, o ex-presidente tinha chamado os deputados federais de quadrilheiros que formaram um pelotão de fuzilamento para estraçalhar a tiros de fuzil a Constituição da República.
Ensurdecido pelas balas cruzadas entre Omenas e Calheiros ou pela guerra sem quartel de coxinhas contra petralhas, o julgador-mor do destino da Nação no crítico momento presente só tem ouvidos para o bem.
Só por isso não percebeu que o interlocutor e sua afilhada, objeto principal do julgamento que comanda, há muito abandonaram tolas veleidades da madureza na defesa da velha e boa democracia burguesa, sob cujo governo o Estado Democrático de Direito se mantém hígido, embora enxovalhado em nossa velha Pindorama de guerra.
O xará do grande biógrafo de Saulo de Tarso já garantiu que vai antecipar a presença do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, seu parceiro no sindicato dos solícitos dos poderosos que estão sendo destronados, para garantir segurança jurídica à decisão a ser tomada pelos 81 senadores.
O pior de tudo é que não dá sequer para desconfiar se esta é uma boa providência ou apenas um jeito de o filho de Murici, onde aprendeu muito bem a não deixar que os outros saibam de si, entregar o trapézio a um partner que desperta tanta credibilidade quanto ele próprio.
E vai em frente o espetáculo mambembe em que a plateia é atraída pelo cuspe do ator global Zé de Abreu e pela abundância muscular dos glúteos e do silicone que segura as glândulas mamárias da Miss Bumbum da Esplanada.
E Rainha da Xepa do desgoverno que desmancha no ar podre sem nunca ter sido sólido antes.