Abraço de afogados 07/05/2016
- MERVAL PEREIRA - O GLOBO
Mais uma vez, na sessão de ontem que por 15 a 5 decidiu pela admissibilidade do processo de impeachment, os aliados do governo insistiram na anulação do processo, aproveitando a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastamento de Eduardo Cunha de suas funções como deputado federal e presidente da Câmara por abuso de poder e desvio de finalidade.
O problema dos governistas é que, como participaram de todas as etapas do processo do impeachment, e chamaram o STF a esclarecer situações que consideravam obscuras ou simplesmente ilegais, acabaram conseguindo o aval da Corte para todo o processo, o que torna impossível agora anulá-lo.
Também a tese de que o impeachment foi decretado por uma vingança de Cunha contra o PT não tem serventia, a não ser na luta política. Bastaria lembrar que, às vésperas da votação, os petistas no conselho — Zé Geraldo (PA), Valmir Prascidelli (SP) e Leo de Brito (AC) — deram uma entrevista anunciando a contragosto que votariam a favor de Cunha, por orientação do Planalto.
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O ministro Jaques Wagner havia fechado um acordo com Cunha para, em troca, arquivar o processo de impeachment. A reação do restante do partido e dos militantes foi tão grande que o então líder Sibá Machado foi à tribuna do Senado anunciar a mudança de posição do PT. Portanto, a vingança pode ter sido a motivação subjetiva de Cunha, mas o PT tentou um acordo nos mesmos termos, e perdeu.
Depois disso, os governistas convalidaram todos os passos do processo. Foi com base numa ação do PCdoB, que tem na senadora Vanessa Graziottini uma dedicada representante na comissão de impeachment, que o STF derrubou o rito processual que havia sido determinado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Daquele rito original havia saído uma comissão composta por candidaturas independentes, apresentadas à revelia das lideranças partidárias. Naquela ocasião, a intenção clara de Cunha era a de formar uma comissão favorável ao impeachment, pois o governo ainda detinha certo controle sobre as bancadas dos partidos aliados.
Para preservar a independência dos poderes, e acertadamente, a meu ver na ocasião, considerando que o regimento interno da Câmara deveria prevalecer, o relator do processo, ministro Edson Fachin, surpreendeu a todos com um voto totalmente favorável à decisão de Eduardo Cunha, o que fazia prever que a maioria do plenário o seguiria, como cheguei a escrever aqui.
Quem mudou a tendência do plenário foi o voto de divergência do ministro Roberto Barroso, que viu nas ações de Cunha, já àquela altura, tentativa de manipular o resultado. A interferência do STF nos ritos da Câmara recebeu o apoio majoritário dos membros da Corte, e muitas críticas dos que viram na postura do ministro Barroso uma tentativa de ajudar o governo, que àquela altura ainda dava alguns sinais de vida.
A decisão de Barroso, mantendo todos os pontos do rito usado no impeachment do então presidente Collor, mostrou-se, no entanto, capaz de dar segurança jurídica ao processo. Os governistas comemoraram como uma vitória, mas o tempo cuidou de demonstrar que não era o rito que definiria o resultado, mas os votos que cada lado tivesse no momento definido.
As sutilezas políticas acabaram influindo na formação da nova comissão escolhida pelos líderes partidários, mas ela, que começou com maioria teórica governista, acabou com uma maioria esmagadora contrária ao governo, que se desgastou ao longo do tempo.
Não é possível mais ao PT tentar anular o processo, pois o próprio Cunha foi derrotado pela ação do PCdoB e o rito do impeachment foi o do Supremo, não o do então presidente da Câmara.
Toda a jurisprudência mostra que não é possível uma nulidade retroativa, mas o que o ministro da AGU José Eduardo Cardozo está buscando com mais uma tentativa de anular o processo é uma narrativa política que sustente a tese do golpe, o que está cada vez mais difícil.
Cardozo acabou sendo figurinha fácil nas comissões de impeachment, repetindo os mesmos argumentos em várias sessões, mesmo quando o regimento não previa sua presença. O senador Raimundo Lira, por sinal, deu um nó nos governistas, permitindo que usassem e abusassem de questões de ordens.
Deu a palavra a todos eles mesmo quando o regimento não permitia, e o que parecia uma leniência mostrou-se sabedoria, pois ficou impossível à oposição aguerrida alegar cerceamento de defesa e outros pretextos.
Na próxima semana deveremos dar posse a um novo governo, e tanto o presidente afastado da Câmara e a presidente afastada do Brasil estarão recolhidos a seus exílios forçados, praticamente sem chances de reassumir seus postos. A previsão de Cunha de que Dilma cairia antes dele pode não se confirmar só por alguns dias. Mas os dois perderam, num autêntico abraço de afogados.