Clichês 20/05/2016
- RUY CASTRO - FOLHA DE S.PAULO
Segundo a Novilíngua, "golpista" é qualquer pessoa favorável ao impedimento de Dilma Rousseff.
Não importa o passado político desse cidadão — se sofreu na ditadura, perdeu empregos e viu sua família ameaçada; se conspirou, foi processado, cumpriu sentença e teve os direitos cassados; ou se pegou em armas, foi preso, torturado, banido ou exilado.
Enfim, mesmo que seu currículo dê de dez no dos que o acusam, ele será um "golpista". As palavras perderam seus conteúdos, tornaram-se signos ocos.
PUBLICIDADE
"Fascista" também está nessa categoria. É um insulto típico das ditaduras, inclusive as de direita, nas quais é substituído por seu sinônimo, "comunista".
Nas últimas semanas, fascistas são todos aqueles que não partilhem as opiniões políticas de manifestantes muito jovens gritando em uníssono.
Mas, se chamados a definir o termo e suas contingências, esses manifestantes, na maioria, teriam de repetir o ano.
A "lata de lixo da história" é outra expressão tirada há pouco de sua merecida aposentadoria.
Tantos políticos foram condenados à dita lata nas últimas semanas que a história deve ter requisitado caminhões para comportá-los.
Dos clichês da luta política, este é o mais volátil — porque não se conhecem condenações definitivas à lata de lixo da história.
O revezamento dentro dela é tão grande que o enlatador de hoje será o enlatado de amanhã.
É tudo muito velho, não?
Mas, alvíssaras, há um novo clichê na praça: "narrativa".
Ninguém mais discute, argumenta ou opina sobre nada — oferece uma "narrativa".
Uma visão ou versão sobre algum tema é agora uma "narrativa".
Se o fulano é acusado de roubo ou propina, aguarda-se para ver qual será sua "narrativa".
Diante desse abuso, as narrativas tradicionais — folclóricas, literárias, teatrais, cinematográficas — ameaçam pedir o boné.