A ameaça de Lula 12/06/2016
- Mary Zaidan - O GLOBO
Hábil na escolha das frases e na mixagem dos tons -- do sério ao indignado, do didático ao malandro --, o ex-presidente Lula ainda tem domínio de palco. Mas, definitivamente, já não é o mesmo. Se consegue empolgar a torcida, o faz com uma fórmula gasta e repetitiva, incapaz de ultrapassar os limites da fé cega de seus fãs. E, como sempre, excede na torção dos fatos a seu bel prazer e conveniência, nos impropérios ou na simples mentira.
Foi o que se viu, mais uma vez, na sexta-feira, no ato “Fora Temer” na Avenida Paulista. Ao rol de mesmices sobre o “golpe” contra a presidente afastada Dilma Rousseff e a ilegitimidade do presidente interino Michel Temer, Lula se valeu de sandices, desacato, agressões pessoais, desapreço à democracia e desrespeito à Constituição.
A ele, pouco importa o “Fora Temer” ou o “Volta Dilma”. O que vale é o palanque para manter viva a candidatura em 2018.
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Depois de expor uma visão muito particular do golpe de 1964 e da campanha das Diretas-Já, e de embrenhar-se em uma danada confusão ao comparar a revolução de Fidel Castro e o governo Michel Temer, Lula voltou-se ao seu papel predileto de benfeitor único dos pobres. Essa fonte inesgotável de votos, que, pragmaticamente, é melhor que permaneça na pobreza.
Em flagrante afronta à Carta, que estabelece o Parlamento como único fórum legal para processar o impedimento de um presidente, surrupiou a legitimidade dos deputados federais, afirmando que “só o povo que elegeu Dilma pode tirar Dilma”. E incluiu os parlamentares pró-impeachment na lista ampliada dos 300 picaretas a que se referira nos anos 1990.
Falando muito mais de si e de seu governo do que da pupila sucessora que só deu dor de cabeça a ele e ao país, Lula berrou contra privatizações que nem de longe estão na mira do governo Temer. “Vão querer vender a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa, a Eletrobras, a Transpetro. Vão vender tudo.” E, para delírio da plateia, arrematou: “Vão querer vender a mulher e até a família”.
Nada de novo. A ladainha contra a privatização está no discurso do PT desde sempre. Mas Lula agudizou: “para privatizar não precisa de governo, só de agiotas”.
Em outro momento, inspirado em Hugo Chávez, mas na versão piorada, mais semelhante ao desconcertado Nicolás Maduro, Lula dedicou-se a achincalhar o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que teria reacendido o “complexo de vira-lata” do Brasil. E, de novo, se agarrou ao lugar comum para lembrar que é filho de analfabetos, e que tinha aprendido a não ser melhor nem pior do que ninguém, mas ser igual.
A lição jamais assimilada faz Lula supor que está acima do bem e do mal. E, embora saiba da impossibilidade de ocultar fatos e reconstruir a história com a lábia, não vislumbra outra saída – até porque não há. Portanto, vai ocupar palanques em cada ato anti-Temer e fazer exatamente igual. Defender Dilma não mais do que protocolarmente, atacar rivais a ferro e fogo, tentar juntar o que resta de seguidores.
Na ponta da língua traz o discurso de condenar os que denunciam a roubalheira que fez de seu governo e de sua sucessora um sem-fim de escândalos, acusando a existência de conluio entre gente do Ministério Público e da Polícia Federal com jornalistas. Vazamentos condenáveis quando mexem com ele, Dilma e o PT, aplaudidos e comemorados quando apertam os calos de Aécio Neves e do PMDB de Temer.
Na mesma sexta-feira em que o ex ouvia “olê-ôlê-olá, Lula, Lula!”, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, solicitava ao Supremo que a investigação de Delcídio do Amaral, que envolve Lula na tentativa de evitar a delação premiada de Nestor Cerveró, fosse despachada para o juiz Sérgio Moro. Outros três procedimentos – sítio de Atibaia, tríplex do Guarujá e a inclusão no processo principal da Lava-Jato – já estão nas mãos do ministro Teori Zavascki e também devem seguir para Curitiba.
Quase todas as vezes que fala em público, Lula “ameaça” ser candidato se “eles” continuarem a provocá-lo. Mas foi-se o tempo em que o “eles” era o nome genérico da oposição. Hoje, o único “eles” capaz de provocar Lula é a Justiça. E, ao que parece, ela não se inibe diante de ameaças.