O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Conselho de Ética da Câmara: Que tribunal é esse que só vota se for para condenar o réu?
14/06/2016 - Blog de Ricardo Noblat - O GLOBO

Está marcada para logo mais às 14:30 a sessão do Conselho de Ética da Câmara destinada a votar o relatório que recomenda a cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJU) por quebra de decoro. Ele mentiu ao dizer aos seus pares que não tinha contas bancárias no exterior. Tinha, sim, como restou provado.

O relatório deveria ter sido votado na semana passada. Mas ao se dar conta de que Cunha teria maioria de votos para derrotá-lo, o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), presidente do Conselho, suspendeu a sessão. Araújo não vota a não ser em caso de empate. Se votar, como adiantou, será para cassar Cunha.

Da semana passada para cá, aparentemente, nenhum dos 21 membros do Conselho mudou de posição. Cunha tem 10 votos a seu favor ali, 9 contra, um indeciso, e Araújo que poderá votar ou não. O voto indeciso é de Tia Eron (PRB-BA), deputada de primeiro mandato, evangélica, eleita com 116 mil votos.


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Quem manda no voto de Tia Eron é o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, e, por delegação dele, o presidente do PRB, Marcos Pereira, ministro da Indústria e Comércio do governo Temer. Pereira diz que a deputada votará livremente. Mentira. Orientou-a para votar a favor de Cunha. Araújo sabe disso.

Mas sabe também que o grosso dos votos que elegeram Tia Eron foi dado por eleitores de Salvador. E que a maioria deles pressiona fortemente a deputada para que vote pela cassação de Cunha. O deputado Ulysses Guimarães, condestável da República nos anos que se seguiram ao fim da ditadura militar de 64, ensinou:

- Um deputado pode ter 20 mandatos consecutivos, mas o que definirá seu comportamento será o primeiro mandato.

Tia Eron não parece preocupada com coisas desse tipo. E a julgar pelo que aconteceu na sessão passada quando faltou à sessão do Conselho, refugiando-se no gabinete do líder do seu partido, não deve ligar para outra das lições ensinadas por Ulysses. Ele também disse:

- Tem votação que deputado só pode faltar se munido do próprio atestado de óbito.

De cadeira de rodas, o então senador Roberto Campos compareceu à votação do impeachment do presidente Fernando Collor em 1992. Votou a favor. Também de cadeira de rodas, a senadora Rose de Freiras (PMDB-ES) apareceu para votar a favor da admissibilidade do pedido de impeachment contra Dilma.

Se depender de Araújo, ele suspenderá, hoje, a sessão do Conselho se tiver certeza da derrota do relatório favorável à cassação do mandato de Cunha. Isso, no mínimo, é curioso. Araújo acusou Cunha diversas vezes de impedir a votação do relatório com medo de perder. Agora que ele pode ganhar, é Araújo que posterga a votação.

O Conselho de Ética é uma espécie de tribunal de primeira instância da Câmara. O que ele decide passa, depois, pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ser submetido ao plenário, a última instância. Mas que tribunal é esse que só pode deliberar se estiver disposto a produzir o resultado desejado por seu presidente?

O país está cansado da novela protagonizada por Cunha e Araújo com a conivência da maioria dos 513 deputados. Enquanto ela se arrastar, só servirá para degradar ainda mais a imagem dos políticos em geral, e da Câmara em particular.

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