Pouca renda, muito gasto 01/07/2016
- Eliane Cantanhêde - O Estado de S.Paulo
O êxito (ou sobrevivência...) do governo Michel Temer depende de um complexo equilíbrio num tripé, especialmente enquanto o impeachment definitivo de Dilma Rousseff não vem: opinião pública, Congresso Nacional e o chamado “mercado”. Quando ele joga excessivamente o peso numa dessas pernas, as outras duas se ressentem. Quando joga em duas, a terceira ameaça ruir.
Para não assombrar ainda mais a opinião pública, Temer tem de repetir, dia sim, dia não, que não quer, não pretende e não pode ameaçar a Lava Jato e, além disso, precisa gastar lábia e recursos para neutralizar o discurso de Dilma e do PT de que ele vai enxugar os programas sociais e acabar com a Bolsa Família.
Foi por isso que Temer anunciou um reajuste médio de 12,5% no Bolsa Família, pegando carona numa solenidade de liberação de R$ 742, 8 milhões para a educação básica de Estados e municípios. É o primeiro reajuste do programa central da era petista em dois anos, com um porcentual maior, inclusive, do que os 9% que Dilma prometeu em maio, mas ainda não tinham sido aplicados. Logo, os 12,5% são mais políticos do que econômicos ou sociais.
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Ainda em sintonia com a “opinião pública”, Temer achou muito mais prudente levar adiante o aumento salarial do Judiciário e do Ministério Público do que alegar a imensidão da crise para adiar a medida. Em público, ele argumenta que Dilma já tinha assumido o compromisso, a tramitação já estava avançada no Congresso e, afinal, o valor já fora “precificado” no rombo de R$ 170 bilhões. Em privado, admitiu: é melhor pagar o preço do que amanhecer com o Judiciário e o MP detonando uma temporada de greves no serviço público.
Se contemplada a opinião pública, que não quer nem ouvir falar na volta de Dilma, mas também não morre de amores por Temer, ele cede em todas no Congresso e não titubeou um minuto antes de atender à novíssima pressão dos senadores, que ameaçaram não aprovar a medida provisória que dá fôlego financeiro à Infraero se ele não se comprometesse a vetar a cláusula que abre 100% das empresas aéreas brasileiras ao capital estrangeiro. O Senado estava, evidentemente, atendendo ao lobby do setor, apesar de a Latam ter um pé no Chile e a Avianca, na Colômbia. E quem é mesmo dono da Azul? Mas o Planalto fechou os olhos para esses “detalhes” e topou o veto.
É também com um olho na real crise dos Estados e com o outro na influência dos governadores em suas bancadas em Brasília que Temer, camarada, abriu mão de receber boa parte do pagamento da dívida dos Estados que não fizeram o dever de casa e estão devendo até salário de funcionários, aposentados e pensionistas. Como se apenas os Estados estivessem endividados e a União estivesse nadando em dinheiro...
Somando os R$ 50 bilhões que o governo federal deixará de receber dos Estados endividados nestes três anos aos R$ 25 bilhões estimados com o aumento do Judiciário até 2019 e aos R$ 2,1 bilhões ao ano com o reajuste do Bolsa Família, o resultado é: o governo Temer anda muito perdulário para quem chora tanto a falta de dinheiro e o tamanho do rombo fiscal. Sem contar que a prioridade do País é criar emprego para quem não tem, não aumentar o salário dos que já têm.
É aí que entra a terceira ponta do tripé. O tal “mercado” dá de ombros para a Lava Jato e para escândalos e só pensa naquilo: a recomposição da economia brasileira. Mas, se Temer abre tanto a guarda para agradar a opinião pública e o Congresso, no que ele conseguirá se distinguir de Dilma na sobriedade com as contas públicas? Dilma torrou o que tinha e o que não tinha na eleição de 2014. Temer pode estar torrando a confiança do empresariado na transição de 2016 – e, com ela, suas chances. A perna do tripé que mais torce e trabalha pelo sucesso de Temer é justamente o setor produtivo, no campo e nas cidades.