Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo.
De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios.
Ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Bernardo havia sido preso preventivamente no dia 23, acusado de receber R$ 7 milhões em propina. Passados seis dias de sua detenção, viu-se solto graças ao ministro Dias Toffoli, do STF, para quem a restrição de liberdade imposta ao petista constituía manifesto constrangimento ilegal.
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Com razão, Toffoli lembrou que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação da pena nem a fim de forçar a devolução de valores desviados. A função do mecanismo é outra: impedir que o suspeito fuja, continue praticando crimes ou atrapalhe o processo. Para o ministro do STF, esses requisitos não estavam demonstrados.
É sem dúvida bom saber que as instâncias superiores da Justiça vez ou outra se mostram dispostas a corrigir exageros punitivos.
Melhor seria, porém, que isso constituísse a regra, e não exceção. Basta dizer que os presos provisórios (sem condenação) representam 40% de uma população carcerária formada por mais de 600 mil pessoas. Quantos estarão atrás das grades indevidamente?
Se Toffoli acertou no conteúdo, o mesmo não se pode dizer da forma. Como Bernardo teve a prisão decretada por juiz da primeira instância da Justiça Federal, caberia ao Tribunal Regional Federal analisar o recurso. Depois, o processo seguiria ao Superior Tribunal de Justiça e só então chegaria ao STF.
Ou seja, Bernardo saltou duas instâncias judiciais. Essa clara subversão do sistema é aceita raríssimas vezes no STF, embora não falte quem arrisque a manobra - talvez o meio mais comum de tentá-la seja o habeas corpus.
De acordo com o projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de 2011 a março de 2016 avaliaram-se 2.894 habeas corpus que saltaram instâncias para chegar ao STF. Só 13 (0,45%) tiveram sucesso.
A situação do ex-ministro petista é mais peculiar porque ele tentou caminho menos comum. Em vez de discutir diretamente sua liberdade, alegou que seu caso deveria ser julgado pelo Supremo, já que documentos mencionam sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) - detentora de foro privilegiado.
Toffoli não concordou com a tese, mas ainda assim revogou a prisão que lhe parecia abusiva. Segundo o Supremo em Números, desde 1988, na média, há menos de uma decisão semelhante a essa por ano.
Quando magistrados de instâncias inferiores erram, há quem lhes corrija; quando ministros do STF ampliam demais suas margens de discricionariedade para justificar decisões anômalas, resta o espanto, a surpresa e a desconfiança.