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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Pimentinha em campanha
09/09/2006 - Hugo Studart - IstoÉ



Com a língua afiada, Heloísa Helena tem conquistado eleitores específicos pelo país afora

Melhor tratá-la sempre por Heloísa, sem o Helena, pois é esse o som que a faz sorrir e responder com um carinhoso “minha flor” – e, se estiver calma, com um doce “meu amor”.

Se amigo, chame-a de Loló ou Lóla; se muito íntimo, pode arriscar Buguela, o nome de uma borboletinha rara que habita o sertão das Alagoas.


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Contudo, jamais cometam o despropósito de tratá-la por “senadora”, por “excelência”, pois são esses substantivos que fazem despertar a onça desaforada que habita na personalidade de Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho, a mulher que discursa como Joana D’Darc numa cruzada em curso pela conquista da Presidência da República.

Heloísa Helena gosta de falar e não cansa de bater com sua língua ferina e implacável no presidente Lula, o adversário a quem só trata por “Sua Majestade Barbuda”.

Heloísa Helena é assim: “Sou um caldeirão permanente de ternura e fúria”, define-se.

Faltando menos de um mês para a eleição presidencial, Heloísa encontra-se no patamar de 10% das pesquisas. Em alguns Estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ela está com 20% dos votos – e continua em ascensão. Já são cerca de 12 milhões seus eleitores, a maior parte da classe média urbana, uma multidão desencantada com os rumos da política após um ano de mensalão e sanguessugas.

“O brasileiro é honesto, não será cúmplice do banditismo político”, discursou ela, no início do mês, assim que pisou na cidade de Guarulhos, Grande São Paulo, diante de um punhado de “radicais livres”, como são chamados os dissidentes do PT que há um ano fundaram o PSOL, Partido Socialismo e Liberdade.

“A molecagem vai ser desmascarada se eu estiver no segundo turno.” Heloísa vai crescendo à medida que jorra fel.

“Corruptos”, “cínicos”, “dissimulados”.

Ela caminha em arrastão pelo comércio de Guarulhos. Começa a sorrir. Um operário, negro enorme, lhe abraça forte. “Eu era petista, hoje tenho nojo de tudo o que está aí”, diz chorando.

“É melhor um coração partido do que a alma vendida”, diz, repetindo a frase de Padre Antônio Vieira.

Ela beija a calva de um senhor, coloca crianças no colo, beija as balconistas, uma a uma. Parece adorar o que faz.

Uma senhora lhe cochicha ao ouvido. “Amém, amém”, responde.

Uma adolescente cai aos prantos à sua passagem. Heloísa come uma fruta entre os feirantes, cheira uma flor amarela.

“Conheço todas as flores, os cheiros, as cores”, diz.

“Eu tive um sonho, estava cercada de homens maus e você aparece”, relata uma mulher.

A candidata caminha por cinco horas, sempre sorrindo; todos se cansam, ela cresce. É assim em Guarulhos, Campo Grande, Curitiba. Oito em cada dez querem abraçá-la; parece o Lula de sua primeira campanha presidencial, em 1989.

Por que Heloísa encanta?

“Porque sou movida pela esperança”, responde, “porque remo contra a maré”.

Heloísa Helena é assim, um caldeirão permanente de carisma e contradições que representa o segmento indignado da sociedade.

Professora de enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, leitora esforçada, conhece de cor longas passagens de obras de autores como Graciliano Ramos, Patativa do Assaré e Roberto Carlos (seus versos prediletos são “Além do horizonte há de ter/ Algum lugar bonito para se viver em paz”).

Contudo, Heloísa está longe de ser uma intelectual refinada. Certa feita, em discurso solene preparado por assessores do Senado, chamou a pensadora alemã Hannah Arendt de “Arendéti” (pronuncia-se Árent”).

No momento, está empenhada em divulgar um programa de governo elaborado por uma equipe de professores da UFRJ recrutada pelo economista César Queiroz Benjamin.

Contam-se nos dedos de uma mão as pessoas capazes de influenciar Heloísa. Benjamin é um deles. Ela admira acima de tudo sua coragem e coerência ideológica.

Aos 16 anos, Benjamin aderiu à guerrilha urbana; nos anos 80, fundou o PT com Heloísa; hoje é candidato a vice de Heloísa. Em seus discursos, a candidata tem pregado o calote de uma dívida externa que já não é mais problema e a reestatização de empresas que já se globalizaram, como a Vale do Rio Doce – e excomunga a “patifaria da verborragia neoliberal”.

Soam como música aos ouvidos dos radicais entrincheirados no PSOL, mas virou motivo de bazófia no mercado. Ocorre que Heloísa já avisou que “há programa de partido e programa de governo”. Vale, portanto, o que está sendo alinhavado pelo discreto César Benjamin.

De todos os programas, é o único que propõe a ruptura do atual modelo econômico neoliberal, criando um plano desenvolvimentista heterodoxo. O superávit primário deixaria de existir. Haveria controle de câmbio e de juros – as taxas cairiam a um quarto das atuais.

Outro ponto seria a volta da Lei da Usura, na qual ninguém pode cobrar mais do que 12% de juros ao ano, sob pena de cadeia.

“O programa não será tão radical como temem, nem tão enquadrado como os bancos querem”, explica Benjamin.

“É um programa coerente, o melhor deles”, avaliza Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES.

“Se eu tivesse pai, me respeitariam”

Para entender Heloísa é preciso conhecer sua saga. Ela criou o mito da sertaneja pobre, órfã, bóia-fria que fortaleceu a couraça ao enfrentar as humilhações da vida.

“Minhas experiências dolorosas me capacitam a enfrentar os obstáculos, mesmo que eles sejam gigantescos”, diz ela.

Nascida em Palmeira dos Índios, margens do São Francisco, Heloísa é filha de um fiscal da Fazenda de Alagoas e de uma professora primária. Seu pai morreu quando ela tinha três meses e o irmão, Hélio, três anos.

“Se eu tivesse pai, me respeitariam”, certa vez comentou. “Aí eu não precisaria partir para cima do mundo.”

A mãe, Helena, viúva aos 26 anos, estudou contabilidade e ganhou a vida costurando. Por uma década passava dezembro em Maceió fazendo vestidos de festa para uma família rica. Heloísa ia junto. Dormiam no quarto de empregada. Heloísa sentia-se humilhada; a mãe orgulha-se daqueles tempos de muita luta.

Helena examinava todos os livros antes de entregá-los aos filhos. “Se bandido terminasse numa boa, não comprava”, conta.

Loló sempre estudou em colégio de freiras. Um dia o irmão foi para Maceió fazer o vestibular para medicina – passou.

A mãe fez vestibular junto para provar aos filhos que nada tinham a temer. “Fiz meus filhos valentes”, orgulha-se. “Diante de mim, Loló é uma diplomata.”

Aos 16 anos Loló foi morar com o irmão em Maceió. Passou no vestibular de enfermagem. Foi ele quem recrutou a irmã para o PT.

Um dia Loló pediu: “Mãezinha, você me deixa casar?” Tinha 18 anos e um namorado oculto, o engenheiro Stanley Carvalho, 15 anos mais velho. “Só depois de formar”, vetou.

Aos 20, a cintura engrossou. “Você não me engana, você está grávida”, descobriu a mãe. Casaram-se e tiveram dois filhos – Ian, hoje com 22, e Sacha, 19. Heloísa separou-se aos 26. Depois teve um companheiro por sete anos, o engenheiro Mário Agra. Estaria sozinha há seis.

“Me casei com a pátria”, jura a candidata. “Ela virou freira”, atesta a mãe.

“A expulsão do PT me deixou cicatrizes na alma”

Professora de epidemiologia da Universidade Federal, sindicalista, vice-prefeita de Maceió, deputada estadual, em 1997, aos 35 anos Heloísa é eleita senadora pelo PT. A partir daí, chama a atenção no Congresso por seu fundamentalismo ideológico. Quando Lula chega ao poder e tenta enquadrar o partido em seu governo pragmático, Heloísa lidera a rebelião. É dessa época a ferida mais profunda.

Certa noite Lula chama Heloísa ao Planalto para tentar convencê-la a seguir sua orientação. Ela, mais uma vez, se recusa. José Dirceu estava junto. “Qual é seu preço?”, teria perguntado o ministro-chefe.

“Tenha vergonha, olhe na minha testa e veja se tenho preço.” Dirceu teria reagido: “Vou te perseguir até te aniquilar.”

Acaba expulsa e obrigada a fundar o PSOL. “A expulsão me deixou muitas cicatrizes na alma”, recorda-se. “Mas só tem cicatriz quem esteve no campo de batalha.” Hoje Heloísa Helena está num dilema difícil. “Meu maior sonho é ir para o segundo turno com Sua Majestade Barbuda”, confessa.

Está difícil. Além disso, seu partido corre sério risco de não atingir a cláusula de barreira. “Seria o pior dos mundos eu perder a eleição e o PSOL desaparecer”, consterna-se.

Pragmática, mãe Helena começa a preparar a volta da filha para casa. Com R$ 8 mil mensais em pensões, Helena já tem duas casas em Palmeira dos Índios e outras duas em Maceió. Está comprando uma quinta casa para a filha guerreira. Tem quatro quartos. Já arrumou os móveis e agora faz os armários. Loló não tem dinheiro.

“Estou preparada para ser presidente”, diz Heloísa. “Ou para voltar à sala de aula.” E completa: “Só peço a Deus todos os dias que me preserve a capacidade de me indignar.”

  

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