Eleição à sombra de Eduardo Cunha 11/07/2016
- Blog de Ricardo Noblat - O GLOBO
O que Lula e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) têm em comum? Aparentemente, nada.
Lula tentou salvar Dilma do impeachment. Maia fez tudo para condená-la.
Lula vê o DEM como a quinta essência do conservadorismo. Maia vê o PT como o máximo em corrupção.
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Apesar das diferenças, Lula e Maia descobriram que algo pode uni-los: a eleição, nesta semana, do próximo presidente da Câmara dos Deputados.
Maia quer suceder Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou ao cargo na esperança de não ser cassado. (Será cassado e mais tarde preso).
Como não se pede carteira de identidade a voto nem atestado de coerência, Maia anda batendo em todas as portas que possam se lhe abrir.
Bateu na porta do PT. Foi atendido por um velhinho de voz rouca, insidioso decerto, porém simpático.
Mandados às favas todos os escrúpulos, Maia disse a Lula que carece de votos para alcançar o total de 257, sem o qual não se elegerá.
Lula sugeriu que carece da boa vontade do governo Temer para que não lhe seja cruel a peia que bate em Chico e em Francisco. A Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara e aliado de Maia, Lula pediu para retardar a cassação de Cunha.
Para Lula e o PT, o melhor é que Cunha só seja julgado na Câmara quando Dilma estiver sendo julgada no Senado. Não precisa ser no mesmo dia, mas pelo menos em dias próximos.
Assim - quem sabe? -, um julgamento não influencia o outro e Dilma se beneficia? Ou então segue menos mal para o exílio em Porto Alegre?
Claro que Lula não disse tudo o que pensa a Maia e a Maranhão. Ninguém diz.
Apesar de à busca de apoio para sobreviver à Lava-Jato, Lula quer mais é que a escolha do sucessor de Cunha acabe por cindir de vez a base de sustentação do governo Temer no Congresso. Nada seria melhor para a oposição.
Para atrair os votos do PC do B, Maia conseguiu que Maranhão impedisse a criação da CPI da União Nacional dos Estudantes (UNE). O PC do B manda na UNE.
Tão bom quanto presidir a Câmara por dois anos é presidi-la por seis meses e meio. Assim será para quem completar o mandato de Cunha, a esgotar-se em fevereiro de 2017.
O eleito vai morar em uma mansão à beira do lago de Brasília, terá segurança 24 horas, jatinho da FAB ao invés de avião de carreira, e o direito de substituir o presidente da República em suas ausências.
A renúncia de Cunha poderia servir à Câmara como marco inicial do processo de reabilitação de sua imagem cá fora. Mas não servirá.
E é fácil entender por que: só se deve pedir às pessoas o que elas podem dar. Dito de outra maneira: não espere de ninguém o que exceda à sua capacidade.
A regra vale para o mundo privado e igualmente para mundo público. E vale ainda para as instituições.
Há, na Câmara, políticos sérios e com biografias respeitáveis. Por serem poucos, não terão relevância na hora de ungir o próximo presidente.
Em um passado recente, a Câmara se dividia entre o baixo clero e o alto clero com seus cardeais. Predominavam os últimos.
O baixo clero multiplicou-se e ajudou a eleger Cunha. O alto clero está ameaçado de desaparecer junto com os cardeais.
Cunha é paciente terminal, mas respira sem aparelhos. Banca a candidatura de Rogério Rosso (PSD-DF) a presidente da Câmara.
Temer finge não ter candidato. Pode não ter ainda, mas será inevitável que tenha. O presidente da Câmara pode atrasar a vida de qualquer governo.