Para que serve um velho 22/08/2016
- PAULO GERMANO - ZERO HORA
Sinto falta dos velhos. Eles sumiram. Há os que se esconderam, porque ninguém mais quer ouvi-los, e há os que se portam como jovens, na ânsia de serem ouvidos. O velho mesmo, o velho clássico, o velho sábio que nos fazia baixar as orelhas e sentar de perna de índio em volta da cadeira, esse velho nós estamos matando.
Ponha-se no lugar dele: quando era jovem, há algumas décadas, sua meta era entrar no mundo dos velhos – porque eram os velhos que detinham o poder, o saber e o sucesso na carreira. Agora que virou velho, sua meta é entrar no mundo dos jovens, porque são os jovens que detêm o poder, o saber e o sucesso na carreira. Quem aguenta uma rasteira dessas?
O publicitário Dado Schneider, 55 anos, repete em suas palestras que, justo na vez dele, justo na hora de ele ficar velho, houve essa transformação inédita na história da humanidade: um volume brutal de conhecimento passou a ser transmitido das gerações mais novas para as gerações mais velhas. E há um efeito hediondo nessa inversão de papéis.
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Porque, se os jovens agora gozam de poder e saber, que serventia têm os velhos? Se o nosso guru se chama Google, se o modelo de sucesso é Zuckerberg – 32 anos –, se a compreensão do mundo parece melhor na juventude, qual é a vantagem da velhice? Quem vai parar para ouvir um velho? Pior: quem vai aceitar ser velho?
É triste que o velho mesmo, o velho clássico, o velho sábio que nos fazia baixar as orelhas e sentar de perna de índio em volta da cadeira, morra no momento em que mais precisamos dele – um momento em que "estamos nos afogando em informações mas famintos por sabedoria", como disse o biólogo E. O. Wilson.
Quer dizer: temos acesso ao conhecimento como ninguém jamais teve, mas falta quem nos oriente. Falta quem nos situe nessa biblioteca de fragmentos, quem nos ajude a filtrar essa enxurrada de informações que mais atormenta do que educa. Falta quem nos ensine a lidar com essa nova vida – ou, em outras palavras, nos falta sabedoria. Que nada mais é do que saber empregar o conhecimento.
Em toda a história da civilização, os velhos exerceram um papel crucial. Na Roma antiga, o conselho de anciãos, que já era comum nas sociedades orientais, ganhou o nome de Senado – e os anciãos passaram a fiscalizar autoridades e a controlar as finanças públicas. Porque o jovem, ele é importante quando precisamos de iniciativa, ímpeto e energia, mas nada disso basta sem prudência, traquejo e paciência. Aos 30 anos de idade, Alexandre, o Grande, já havia conquistado o mundo, mas seu maior conselheiro era o velho Aristóteles.
Que conselheiro nós temos hoje? Qual foi a última vez que você parou para ouvir um velho, frente a frente, sem qualquer obrigação familiar, apenas pelo prazer de beber um pouco de sabedoria? Ainda dá tempo, mas seja rápido. Porque esse velho nós estamos matando.
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Comentário de Arquimedes Estrázulas Pires (estrazulas10@gmail.com) Em 22/08/2016, 11h24
Marcas
Marcas
06/03/2016
[Arquimedes Estrázulas Pires]
Mesmo com cara que mascara a idade certa,
Já não disfarço que vai longe a minha idade.
Mesmo que a mente veramente esteja alerta,
É indisfarçável a minha longevidade.
Pernas que tremem e já ensaiam passos lentos,
Mostram ao mundo que de há muito não sou jovem.
Ao caminhar, mais peso aos anos acrescentam,
E ser mais moço sempre me exigem que prove.
Mas são distintos, o andar lento e a inconsciência.
Nem todo o idoso perde o tino, com a idade.
Um corpo velho, mesmo com dependência,
Não sinaliza ausência ou caducidade.
A voz pausada e os tantos gestos trementes,
Que estão presentes em seres de mais idade,
Nem sempre dizem que ali há um ser consciente;
Mas nem sempre esta é toda a verdade.
Por isso peço a você que lê estes versos
E só ao acaso é que reflete sobre a vida,
Que jamais veja no idoso um ser disperso,
Um ser inútil e incapaz pra qualquer lida.
Estenda a mão, se com mãos trêmulas depara.
Pois só o tempo saberá teus amanhãs.
Se a velhice te parece hoje ignara,
Será mais clara, quando branquearem tuas cãs.
Não veja o velho como um ser tolo ou demente,
Inda que os olhos te façam pensar assim.
Um ser mais velho é mais sábio, mais experiente,
Mesmo que a gente só sinta isso, no fim.
Então, a Deus, criador da imensidão
Seja bem grato, por ter hoje a juventude,
E que mais tarde, quando tremerem tuas mãos,
Forças Divinas te envolvam com plenitude.
Mais nada tenho a registrar neste momento.
Nada mais tenho a dizer sobre a velhice.
Que ao fim da viagem não haja arrependimento
E que meus feitos jamais traduzam sandice.
Como as sementes que na terra são cravadas
E que germinam pra mostrar a sua essência,
Ao fim da viagem faço de exemplos e estrada
Marcas que deixo para a minha descendência.